Quem faz a afirmação é o americano Mike Proulx, coautor de Social TV: How Marketers Can Reach and Engage Audiences by Connecting Television to the Web, recém-lançado nos EUA.
No livro, Proulx faz um contraponto ao discurso comum de que a internet está colocando a TV a caminho da extinção.
Para o pesquisador, a TV está mais viva do que nunca, tornou-se mais onipresente e ganhou novas telas – celulares, tablets, computadores e carros.
A frase de Proulx ganha mais força se levarmos em conta que estudos da área de inovação mostram que, mesmo com a entrada no mercado de novas e radicais tecnologias, a possibilidade de os 3 primeiros líderes de uma indústria estabelecida sobreviverem é alta (de 80% a 96%).
O cenário, portanto, é de reestruturação e não de destruição.
Por isso, Social TV insere-se num contexto diferente da maioria dos livros sobre TV e internet. Enquanto grande parte ainda revoa em torno do tema de que a “internet matará a TV”, como se ainda estivéssemos em 1998, Social TV é escrito num cenário atual em que a internet e suas tecnologias complementares já estão afetando a TV e foram integradas ao modus operandi da indústria.
Proulx começa o livro fazendo uma provocação – o problema da TV não é falta de bom conteúdo, mas sim a dificuldade de encontrá-lo. Desafio que encontra cenário semelhante no ambiente da web – é tanto registro comum que o conteúdo que interessa acaba ficando escondido.
No caso da TV, o excesso de canais tornou extremamente difícil a atividade de encontrar o conteúdo desejado e selecionar o que assistir na TV.
Deficiência que abriu oportunidade para a entrada de dezenas de aplicativos de check-in da programação televisiva – GetGlue, Miso, Philo -, que, na prática, funcionam como guias de TV turbinados, ajudando a encontrar conteúdo que tenha a ver com as nossas preferências e o nosso histórico de consumo televisivo.
Um case citado por Proulx é o Fav.tv, serviço que funciona como guia antes, durante e após a transmissão de um programa de TV.
Antes, o aplicativo coleta informações, indica e alerta o telespectador sobre programas que estão no ar. Durante, fornece conteúdos complementares (segunda tela). Após, atua como um facilitador das conversas ao redor do programa que acabou de passar na TV.
Segundo o pesquisador, a TV sempre foi “social”, um fator de união entre as pessoas – a família e os amigos se reuniam num mesmo ambiente para assistir a um programa em comum.
Neste sentido, as pessoas sempre conversaram sobre o que estava passando ou tinha acabado de passar na TV. Porém, essas conversas se perdiam nas salas de estar, pátios de escolas, mesas de restaurantes e de botecos.
Hoje, elas estão registradas e amplificadas em milhares de mensagens em plataformas de redes sociais, blogs, chats, listas de emails e fóruns de discussão.
Proulx chama isso de “backchannel” – é onde ocorre toda a conversa simultânea sobre um programa enquanto é transmitido na TV. Funciona como uma espécie de eletrocardiograma da TV, indicando a “pulsação” de um programa.
O “backchannel” trouxe três modificações para a TV – 1) A volta da “cultura do ‘ao vivo’“. As pessoas estão preferindo assistir aos programas ao vivo e não gravá-los em DVR justamente para não perder o burburinho nas redes sociais. 2) Tornou as redes de televisão mais “data-driven“. O “backchannel” não é somente uma fonte de “insights” e “sentimentos”, mas uma base de dados que, aliada aos dados tradicionais (Ibope e Nielsen), ajuda na tomada de decisões. 3) Criou um fator de atração do não-telespectador. Ao acompanhar o burburinho nas redes sociais, as pessoas se interessam por ligar a TV e ver o programa que tanto é comentado no online.
Apesar do subtítulo, Social TV não é um livro somente para a área comercial, mas também para quem trabalha no mercado televisivo com estratégia nas áreas de conteúdo e de tecnologia.
O autor lista 4 conceitos e tecnologias que estão fazendo as pessoas assistir mais TV. Segundo a Nielsen, as pessoas têm assistido TV como nunca. Para Proulx, o motivo do aumento é simples – hoje, existem mais e melhores meios de assistir TV do que 15 anos atrás.

Segunda tela
O principal atrativo da segunda tela é matar a curiosidade do telespectador. Ao assistir a um seriado na TV, as pessoas sempre tiveram a curiosidade de saber mais sobre os atores, a trama, trilha sonora, ou, simplesmente, onde comprar as roupas utilizadas pelos protagonistas.
Além de servir como “backchannel”, a segunda tela evita que as pessoas se percam na web na procura por esse tipo de informação.
A ideia é oferecer facilidade, fornecer, de forma simultânea, esse tipo de informação enquanto as pessoas assistem a um programa.
Como efeito colateral, a segunda tela influencia o telespectador a assistir mais TV ao vivo. Ao adotar o conceito, a NBC aumentou o número de pessoas que assistem a um programa quando ele vai ao ar pela primeira vez (não gravado ou em reprises).
Para a área comercial das redes de televisão, abre oportunidades. Proulx destaca o case da Heineken, que criou um aplicativo para ser utilizado durante a transmissão do Campeonato Europeu de Futebol de 2011.
Neste ponto do livro, o pesquisador escorrega um pouco. Segundo o americano, a primeira experiência de segunda tela aconteceu em 2010 com a transmissão simultânea dos bastidores do Emmy Awards.
Na realidade, uma das primeiras experiências aconteceu nos anos 90, com o VMU do console de games Dreamcast, da Sega. A pequena tela LCD no controle funcionava como um complemento ao jogo na tela da TV.
Addressable ads
Os set-top-boxes e as TVs conectadas trazem desafios para a mensuração da audiência, mas, por outro lado, passam a fornecer uma valiosa base de dados sobre o comportamento do telespectador, o que abre a possibilidade da implementação de anúncios mais segmentados na área de TV.
Com os dados coletados, pela primeira vez, as redes de televisão podem atingir de forma mais precisa o público desejado pelos anunciantes.
Diversas startups já exploram esse segmento. Dos peixes-grandes, a operadora Comcast realiza testes, alcançando resultados positivos.
Segundo Proulx, além da dinâmica do broadcast (anúncios em massa), o mercado de TV agora pode oferecer anúncios mais segmentados em set-top-boxes e TVs conectadas (semelhante à internet).
TV Everywhere
Smartphones, set-top-boxes, Netflix, Hulu, tablets fizeram com que o conceito de “TV em qualquer lugar” finalmente se transformasse em realidade. O conteúdo da TV deixou de ser restrito a uma caixa na sala de estar para se tornar multiplataforma e estar acessível em qualquer dispositivo.
Enfim, a TV finalmente tornou-se “screen agnostic“.
As TV conectadas, por sua vez, abriram espaço para que os aplicativos se tornassem canais, deixando a experiência de assistir TV mais rica.
Os consoles de games capitanearam mais um canal de distribuição, em especial o Xbox 360, com as interfaces controladas por voz, que fazem a atividade de assistir TV mais inteligente.
Quarenta por cento das atividades realizadas no Xbox 360 não são relacionadas a games, o que mostra o seu potencial para serviços de TV.
Bridge Content
Muitos dos conceitos apresentados no livro são utilizados por outras mídias. Um exemplo é o “bridge content” – conteúdo que faz uma ponte (segura o interesse da audiência) entre um capítulo e outro de um seriado de TV.
A Newsweek utiliza “bridge content” entre uma edição e outra da revista. Durante a semana, o tumblr da revista publica teasers da próxima edição, além de destacar assuntos que foram publicados na última edição.
As redes de televisão sempre trabalharam com esse tipo de conteúdo. Mas com a web, esse trabalho ficou muito mais fácil.
Entre um episódio e outro de um programa, a rede de TV NBC lota o seu site e plataformas de redes sociais com conteúdos que mantenham o interesse do público em torno do produto da emissora.
Por exemplo, entre a exibição de um capítulo e outro de 30 Rock, a comediante Tina Fey responde a dúvidas dos telespectadores no site da NBC.
O peso histórico do “bridge content” está em mostrar que, em qualquer estratégia de conteúdo para a TV, deve ser levado em conta os fãs.
Com a internet, os fãs de um programa ganharam mais poder, não somente na capacidade de exigir seus direitos, mas também na de influenciar outras pessoas, principalmente não-consumidores de um produto televisivo. O “bridge content” é uma forma de sempre estar alimentando os fãs. E lá, na ponta final, aumentar a audiência na TV e as impressões nas plataformas de redes sociais.
Segundo Proulx, todas essas tecnologias e conceitos estão ajudando a ampliar a satisfação do telespectador.
No livro, são citadas pesquisas internas das redes de TV que mostram que as pessoas estão mais satisfeitas. Um dos fatores é que a atividade de ver TV ficou mais inteligente. Não há mais motivos para ficar sentado num sofá com um controle remoto na mão reclamando da TV. Hoje você pode escolher o que deseja assistir quando, como e onde.
Proulx mostra em seu livro que a caveira não é tão feia quanto pintam.
Os DVRs, vistos como assassinos dos comerciais na TV, não fizeram tão mal assim. As pessoas que compraram o aparelho passaram a assistir mais TV. E a porcentagem dos que deixaram os comerciais de lado é pequena.
Atividades que antes eram tratadas como um tiro no pé passaram a ser absorvidas pela indústria, cenário parecido com o que aconteceu com as plataformas de redes sociais há alguns anos. Antes vistas como inimigas, hoje são as principais aliadas das empresas em suas ações de marketing.
O YouTube e as redes p2p transformaram-se em ótimos aliados para propagar ainda mais o “bridge content” e, assim, segurar a atenção do público.
De erro passou a ser virtude publicar programas de TV na íntegra na web. Hoje, eles são os responsáveis por aumentar a audiência dos sites das emissoras, afastar as pessoas dos sites ilegais de downloads, alimentar os fãs e ainda manter o interesse em torno de um produto.
Há desafios. Ainda não existem estudos que comprovem cientificamente a relação entre burburinho na web e aumento da audiência na TV. Nem sempre a boa audiência na web se reflete na TV e vice-versa.
Enquanto pesquisadores do MIT Media Lab tentam provar de forma científica, o mercado vai trabalhando com evidências.
Outra questão é a falta de padronização, o que impede a adoção em massa de diversas tecnologias citadas no livro.
Set-top-box, segunda tela, addressable ad, TV conectada, por ainda constituírem um mercado emergente, cada um utiliza tecnologias e padrões diferentes. Panorama que, semelhante ao mercado de smartphones, deve mudar com a possível entrada da Apple.
Outro cuidado é não confundir tecnologia com missão tecnológica. O fracasso de MyGeneration, primeiro seriado na TV americana a utilizar um aplicativo de segunda tela, é um alerta de que tecnologia por si só não resolve muita coisa (a série tinha textos e roteiros fracos).
Para quem vive nos países emergentes, a realidade do livro ainda é um pouco distante. Serviços como Netflix e iTunes, por exemplo, somente chegaram ao Brasil em 2011, e até então com pouco conteúdo.
Mesmo assim, a leitura de Social TV deixa evidente que o desafio histórico da TV é o mesmo de outras indústrias – manter a vaca leiteira e, ao mesmo tempo, não deixar de olhar e experimentar o futuro.
Há décadas, escolas de gestão tentam encontrar o ponto de equilíbrio entre as duas coisas, sem descobrir até hoje uma resposta certa. A única certeza é que, por trás de um céu aparentemente cinza, sempre existe um outro azul e cheio de oportunidades. Social TV leva-o a ver esse céu azul.
Veja também: O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes
Crédito das fotos: Chris Bartow (1), LiuTao (6) e divulgação








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