Escrever um livro tendo como tema os introvertidos faz sentido. Google, Apple, Microsoft, Facebook, Pixar, teoria da gravidade, teoria da relatividade, Lei de Moore, Beatles, Chopin, Proust, Van Gogh, Gandhi e Steven Spielberg. Sem os introvertidos, nada disso teria existido.
Apesar de quase metade da população ser considerada introvertida e dos introvertidos serem responsáveis por grande parte das invenções e teorias que influenciam o nosso dia a dia, a nossa cultura e educação celebram e recompensam a extroversão – o cara falante, barulhento, agregador, sociável e que não espera acontecer: faz.
Se a gente for para o ambiente corporativo, a coisa fica mais acentuada.
De 20 anos para cá vivenciamos uma idealização do executivo falante, vendedor, que pensa rápido, do trabalho em equipe e dos escritórios abertos (como se inovação e criatividade pudessem surgir apenas em ambientes coletivos, cheios de interrupções e de barulho). Locais onde você tem que controlar o que fala no telefone e vê no computador, além de conviver com as pausas constantes. Cada um fica sabendo o que o outro está fazendo, o que gera um inevitável instrumento de controle.
Não é à toa que uma série de pesquisas mostra que as empresas adeptas de escritórios abertos têm uma rotatividade alta, além de trabalhadores com índice de stress acima do normal.
O caso é relatado pela pesquisadora americana Susan Cain no recém-lançado Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking, livro em que reúne 5 anos de estudos sobre introversão, ambiente de trabalho e novas tecnologias.
Segundo Cain, apesar de ainda ser comum, a tendência desse cenário é de mudança. As empresas começam a perceber o valor do silêncio e da concentração, e passam a criar escritórios mais flexíveis – uma mistura de salas abertas com salas fechadas, prestigiando a liberdade de trabalhar em equipe ou individualmente e favorecendo tanto extrovertidos quanto pessoas que gostam de trabalhar com mais privacidade.

A Pixar adota esse modelo já há algum tempo. Não entrou na ditadura do cubículo nem na do escritório aberto.
Ápice do trabalho em equipe, sessões de brainstorming ainda são muito valorizadas nas empresas. No entanto, os resultados nem sempre são satisfatórios. A certeza é o “social loafing” entrar em ação, com algumas pessoas trabalhando e outras apenas olhando, e o social exercer pressão, levando boas ideias a ficarem em segundo plano.
O ambiente digital ajuda a mitigar alguns desses problemas do trabalho em equipe. A internet é um dos poucos ambientes em que você pode estar sozinho e, ao mesmo tempo, acompanhado. Não é à toa que projetos como Wikipedia conseguiram florescer na web.
Para Cain, essa idealização da extroversão no ambiente de trabalho nunca fez muito sentido, pois as decisões mais importantes são tomadas em reuniões fechadas e com poucas pessoas.
Ademais, grande parte das inovações que mais impactaram nossas vidas surgiram em ambientes quase que privados e nos quais a concentração era valorizada.
Steve Wozniak conta que, se não fossem as madrugadas sozinhas no silêncio da sua garagem, ele jamais teria inventado o primeiro computador pessoal. As caminhadas solitárias na floresta foram o grande combustível das ideias de Charles Darwin.
Em Quiet, Cain ajuda a passar um corretivo na confusão que muitas pessoas ainda fazem entre introversão e timidez.
Introversão é tirar prazer do silêncio e ter uma preferência por ambientes que não são altamente estimulantes.
Ser tímido é ter medo do julgamento social. Uma pessoa pode ser introvertida e não ser tímida.
O ex-vice presidente americano e ativista ambiental Al Gore se encaixa neste perfil. Está sempre falando em público, mas é a típica pessoa que prefere ficar em casa lendo um livro do que ir a uma festa repleta de barulho e pessoas.
Neste aspecto, a internet facilitou muito a vida dos tímidos, que agora usam o computador como um escudo para as complicações sociais.
Para os introvertidos, a vida continua dura, talvez pior. Numa época em que todo mundo quer ser palco, ninguém quer ser plateia, a vida exige que todos sejamos um pouco performáticos.
Além de ter que ser falante, gregário e estar o tempo todo vendendo suas qualidades no trabalho, na escola e na faculdade, agora você tem que fazer o mesmo na internet.
Talvez por serem tecnologias estéreis, as plataformas de redes sociais têm tudo o que os introvertidos não gostam – muitas pessoas falando, conversas rasas, gente que mal conhece ou nunca ouviu falar querendo conversar com você, carência de falar mesmo que rigorosamente não tenha nada a dizer, necessidade de acumular amigos e de estar o tempo todo ostentando suas qualidades.
Experimente ficar mais de uma semana sem dar as caras no Facebook. Das duas uma. Ou vão achar que morreu ou que é a pessoa mais antissocial do mundo. Tem que ser falante, mesmo que não tenha nada a dizer.
Elas podem ter sido criadas por introvertidos, mas as plataformas de redes sociais são mesmo um ambiente perfeito para os extrovertidos.
Extrovertidos tiram prazer da estimulação social e das interrupções. Introvertidos, do silêncio e das conversas exclusivas.
Em uma cultura que valoriza a extroversão, as plataformas de redes sociais caíram como uma luva. Não é à toa que fazem tanto sucesso.
De acordo com a pesquisa de Cain, essa atitude de incensar os extrovertidos começou por volta do ano de 1.900 quando a “cultura do caráter” deu lugar ao culto à personalidade. A industrialização e o crescimento da importância da publicidade nos anos 50 acentuaram ainda mais esse fenômeno.
De repente, surgiu a necessidade que perdura até hoje de que todos nós devemos ter “espírito de vendedor” – ser falante, gregário e saber vender suas qualidades não importando o conteúdo.
Escolas, empresas, faculdades. Todos seguem a cartilha.
No entanto, segundo um estudo da escola de gestão Wharton, citado no livro de Cain, os introvertidos terão cada vez mais espaço nos cargos de alta gerência. Como já afirmado, a tendência desse cenário é de mudança.
A pesquisa da Wharton coloca os introvertidos como os líderes ideais em empresas da nova economia, que lidam com funcionários que tenham iniciativa própria. Harvard se engana ao tratar o perfil extrovertido como um modelo sacrossanto na área de gestão.
Isso por que é provado por A mais B que os extrovertidos são bons para liderar equipes em que os trabalhadores são passivos.
Já os introvertidos são ótimos líderes quando os funcionários são pró-ativos. Introvertidos sabem ouvir, são mais abertos a novas ideias, o que ajuda a criar um ciclo de pró-atividade. Além disso, por serem pessoas mais reflexivas, conseguem perceber melhor e mais rapidamente nuances em negócios e pessoas.
Segundo Cain, ninguém é 100% introvertido ou extrovertido. Dependendo da fase da vida é possível ser mais ou menos extrovertido.
A propósito, introvertidos não são melhores que extrovertidos. O mundo não é tão binário assim. Na realidade, são apenas diferentes socialmente. Para os extrovertidos, o silêncio e a solidão são kryptonitas. Para os introvertidos, é de onde tiram energia.
Extrovertidos podem se dar muito bem com introvertidos. Na realidade, segundo Cain, grande parte dos casais é formada por uma pessoa introvertida e outra extrovertida.
Não devemos culpar ou demonizar os extrovertidos. Na verdade, devemos buscar o equilíbrio. A nossa sociedade está desequilibrada, valoriza demais o barulho e as altas doses de estímulo e pouco o silêncio e a profundidade, coisas que os introvertidos mais gostam.
O livro de Cain vale por fazer um alerta sobre esse desequilíbrio e quanto ser introvertido não tem nada de errado.
Segundo Cain, não são as pessoas que têm que mudar, mas sim os ambientes. Por que devemos adotar um modelo único em escolas e empresas, visto que as pessoas são bem mais complexas?
Essa questão faz ainda mais sentido se a gente levar em conta que o segredo da vida é buscar carreiras profissionais e círculos pessoais que tenham a ver com a sua personalidade. Ser você mesmo.
Veja também: Por uma internet em tempo giusto





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