Videogames sempre fizeram parte do meu dia a dia. Assim como muitos da minha geração, o Atari foi a “porta de entrada” para o mundo dos computadores.
Para mim, videogames têm a característica de servirem como ponte para reforçar laços de amizade com quem, infelizmente, não tenho contato diário. Por motivos de distância ou estilos de vidas diferentes, acabo perdendo o contato com algumas pessoas, mas que logo é restabelecido durante a partida de algum game online – estilo Call of Duty.
Por isso, sempre acreditei na ideia de que os games têm o potencial de aproximar pessoas, contudo nunca cheguei ao idealismo da designer de games Jane McGonigal, que acredita terem os games um potencial bem maior – são uma arma secreta da humanidade para salvar o mundo.
No recém-lançado Reality is Broken (Editora Penguin Press/400 páginas), a pesquisadora do Institute for the Future defende que games são fonte de felicidade. Eles produzem uma sensação de conectividade, engajamento e inspiração que não encontramos no cotidiano, o que explica por que fazem tanto sucesso.
Os números ajudam a reforçar as teorias de McGonigal. Principal mercado de games do mundo, 69% das casas nos EUA possuem um videogame; em média, um estudante americano passa mais tempo jogando do que na escola; o último jogo da série Call of Duty foi um dos produtos de entretenimento mais lucrativos da história.
Além disso, pesquisas indicam que, daqui a alguns anos, não haverá mais a divisão entre jogadores e não-jogadores. Ou seja, daqui a algum tempo, toda a população dos EUA jogará videogame quase diariamente.
O mercado de eletrônicos já responde a isso, os videosgames já são os grandes incentivadores da adoção de outras tecnologias – vide os games de última geração (Xbox 360 e PS3), que, em várias partes do mundo, ajudaram a alavancar a venda de TVs em alta definição (por exemplo, eu troquei a minha TV por causa da chegada do Playstation 3).
Para McGonigal, o crescente sucesso dos games mostra o quanto estamos atrás de emoções positivas e felicidade. Contudo, não é qualquer tipo de felicidade.
Há diversas maneiras de se sentir feliz, mas não de encontrar a felicidade (a pesquisadora pega o conceito emprestado da psicologia positiva; em especial, a ideia de estado de fluxo do psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi).
A felicidade duradoura não vem de recompensas externas e passageiras (carros, casas, iates etc.), mas de desafios que são propostos por nós mesmos, com objetivos claros, sensação de controle e recompensas diretas e imediatas
Às vezes, a superação de pequenos desafios no cotidiano é o que nos traz a tão almejada felicidade – terminar de ler aquele livro difícil, conseguir fazer uma boa palestra, terminar de lavar a louça mais cedo. Ou seja, desafios que são impostos por nós mesmos e que têm recompensas, objetivos claros e senso de controle sobre a situação.
Por isso, segundo a pesquisadora, as pessoas são tão infelizes no trabalho e na escola. Nesses dois ambientes, os desafios partem de outras pessoas e, geralmente, os objetivos e as recompensas não são claros. O equilíbrio entre nível de habilidade e desafio nunca é perfeito.
Nos videogames, acontece o contrário – estamos totalmente imersos no que estamos fazendo. O desafio é colocado por nós mesmos (jogamos porque queremos), as recompensas e os nossos progressos são evidentes (acertamos o inimigo e o resultado aparece na tela, subimos no ranking), os objetivos são bem conhecidos (previamente sabemos as regras do jogo), além disso, temos um grande senso de conectividade (jogos online) e de fazer parte de algo maior (games online épicos que são jogados por inúmeras pessoas).
Por esses motivos, deixam-nos mais felizes, trabalhando com todos os elementos que produzem a felicidade – trabalho satisfatório, experiência de ser bem sucedido, conexões sociais e significado (a chance de fazer parte de algo maior).
Ou seja, os games ajudam a suprir necessidades humanas. Não é à toa que adolescentes residentes nas periferias são o grupo demográfico que passa mais tempo jogando videogame.
Segundo McGonigal, as pessoas precisam dessa experiência de fluxo, conceituada pelo psicólogo Csikszentmihalyi. Se elas não a conseguem, tentam substitutos.
Daí, uma das razões de os chamados jogos casuais serem tão populares nos escritórios – 70% dos executivos jogam esse tipo de game durante o horário de trabalho. Muitos acham que estão combatendo o stress, mas, na realidade, estão buscando um senso de motivação, um objetivo imposto por eles mesmos e com progressos claros em meio a tantas atividades determinadas por terceiros e sem objetivos muito nítidos.
Não é sem motivos, que, após uma partida de um “joguinho em flash” muitos se sentem mais produtivos e, por que não, mais felizes.
McGonigal chama os designers de games de “engenheiros da felicidade”. Atualmente, são os profissionais mais capazes de criar experiências envolventes, em que as pessoas entram num estado de fluxo e se tornam parte da atividade.
Um dos pontos altos de Reality is Broken reside no momento em que McGonigal lança mão dessa visão para fazer uma leitura de 3 produtos/projetos badalados – Rock Band, Wikipedia e Foursquare.
No entender da pesquisadora, Rock Band trabalha com um dos principais símbolos de status e fama da nossa sociedade – ser uma estrela do rock. Do ponto de vista da mecânica, o jogo deixa muito claro o nosso progresso (recompensa) – basta errar algumas notas para o som da guitarra falhar.
Ademais, reforça a conectividade e confiança entre as pessoas. É muito chato jogar Rock Band sozinho. Por outro lado, é um jogo que você não vai jogar com qualquer um, mas com pessoas com quem tenha confiança – imagine desafinar no microfone ou fazer piruetas com a guitarra na frente de alguém não tão conhecido.
No Foursquare, a geolocalização é apenas o meio para o que o aplicativo faz melhor – gostar ainda mais de nós mesmos. Com o sistema de recompensas de badges, o Foursquare força-o a sair mais de casa, a frequentar os locais que mais aprecia, e a conhecer novos lugares. É um game que o premia não pelo que você está fazendo, mas sim pelas novas coisas e lugares que está visitando.
Na realidade, a recompensa final dada pelo Foursquare não são os badges, mas sim a experiência de conhecer coisas novas – é algo muito mais emocional e social do que qualquer outra coisa.
Para McGonigal, o grande destaque de Foursquare está em ser um jogo que nos permite equilibrar melhor as vidas online e offline. O game é também reflexo do quanto monitoramos cada vez mais, e sem perceber, a nossa atividade diária, por intermédio de sensores ou GPS. O próximo passo do Foursquare é transformar esses dados em visualizações capazes de permitir a tomada de decisões, acredita a pesquisadora.
A popularidade da Wikipedia, por sua vez, vem justamente do fato do projeto adotar a dinâmica de jogos. Semelhante a jogos como World of Warcraft, passa a sensação de estarmos fazendo parte de um projeto maior, quase épico – construir a maior enciclopédia do mundo. Nenhum desafio é obrigado – você edita a Wikipédia se e quando quiser. Existe um sistema de recompensas – editores da Wikipédia com mais experiência têm mais reputação.
Há a sensação de controle sobre o ambiente – você edita um artigo e logo a modificação vai ao ar. Há interação social – as talk pages são repletas de discussões com outros editores da Wikipedia. E o aspecto final é cativante. Existem colaboradores da Wikipedia que são viciados no site.
E semelhante a jogos multiplayers online, alguns dos editores mais assíduos da Wikipedia espontaneamente saem de cena a partir do momento que o site não oferece mais desafios. Muitos vão gastar suas energias em outros projetos mais competitivos. Assim como os gamers, estão constantemente atrás de um novo desafio.
É interessante essa parte do livro, pois McGonigal faz uma análise do motivo de tantos projetos online colaborativos/participativos não darem certo. Se 10% vinga, é muito.
McGonigal afirma que vivemos a era do “spam da participação”. Todo dia recebemos convites para fazer parte de uma nova lista de discussão, ajudar a editar um verbete na Wikipedia, fazer parte de mais um grupo no Facebook, a traduzir mais um vídeo, a dar a opinão nisso e naquilo, a enviar a foto de não-sei-o-que-lá para mais um site de jornalismo. Mesmo que tivéssemos o dia inteiro livre seria impossível atender a tantos convites.
Porém, de acordo com a sua abordagem, o problema dos projetos colaborativos não é a escassez de tempo e atenção das pessoas, mas o fato de, em sua maioria, trabalharem tão somente com a nossa capacidade cognitiva, ignorando as emocionais e sociais.
Atualmente, os projetos participativos beiram o infantil. Resumem-se a enviar vídeos e fotos, apertar o botão de “curtir”, retuitar mensagens, a deixar comentários (que nunca são lidos) e a dizer “sim” ou “não” em enquetes online. Ou seja, não têm objetivos e recompensas claras e muito menos proporcionam a sensação de compor um projeto maior, de que o pouco que você faz terá um efeito no todo. Não fazem com que você se sinta parte da atividade.
As pessoas não são máquinas de retuitar e apertar botões de “curtir”, elas gostam de se sentir importantes, reconhecer necessidades, de fazer a diferença na vida de outras pessoas, de ter a sensação que são integrantes de algo maior. Elas querem entrar num estado de fluxo.
Os projetos participativos/colaborativos que dão certo são justamente aqueles capazes de criar essa sensação.
McGonigal cita como exemplo o Guardian MP’s Expenses, iniciativa que usa a mecânica de jogos, e no qual os leitores do jornal Guardian foram convidados a analisar quase 459 mil documentos sobre as despesas dos parlamentares britânicos.
A interface do projeto permitia que o leitor agisse de forma rápida e tivesse logo a noção de sua ação. Uma linha do tempo mostrava em tempo real as ações recentes dos leitores nos documentos. Havia uma lista dos que mais contribuíam.
E o mais importante – o leitor tinha a sensação de participar de algo maior. O Guardian batia na tecla de que aquele projeto ajudaria a fazer com que o dinheiro público fosse empregado da melhor forma possível. Você estava ajudando outras pessoas.
Logo que uma irregularidade era descoberta, uma matéria era publicada. Ou seja, o retorno era quase instantâneo para quem passou algumas horas analisando os textos. O Guardian deixava muito claro a recompensa do esforço dos leitores.
McGonigal (foto acima) deixa para o final a parte polêmica de seu livro, ao defender o conceito de Gamificação, aplicação da mecânica dos games em qualquer situação da vida real.
A pesquisadora inverte, portanto, a tradicional questão. Fala-se que os games estão cada vez mais parecidos com a realidade. McGonigal defende o contrário – a realidade deve ficar mais parecida com os games, no sentido de que devemos ter recompensas e objetivos claros. Tudo deve ser envolvente, lúdico e criar um estado de fluxo. Games devem ser usados para consertar quase tudo o que está “errado” na vida offline.
O assunto, claro, não é novo. Em 1994, no livro The Great Game of Business, Jack Stack falava do uso da dinâmica dos games na gestão de empresas. O que McGonigal faz é levar o pensamento para mais áreas.
Segundo ela, o mundo está em numa fase tão crítica – mudanças climáticas, instabilidade geopolítica, crise na alimentação – que não precisa de mais mobilizações movidas a hashtags, mas sim de ações concretas.
E não existem melhores mecanismos para criar ações concretas do que os ARG – games que misturam atividades online e offline. McGonigal lista diversos games que ajudaram a melhorar cidades e o nosso senso de comunidade, como o C2BK, que utiliza celulares e ações em locais públicos, como praças e estações do metrô.
Porém, a pesquisadora deposita todas as suas fichas nos “foresight games”, jogos que nos ajudam a ter uma previsão do futuro caso nenhuma decisão seja tomada. Exemplo – não tomar nenhuma providência a respeito da mudança climática ou de uma simples troca de equipamentos em uma empresa.
McGonigal acredita que esse tipo de game ainda está na “Era do Pong” (considerado o primeiro game de computador), mas tem o potencial de nos ajudar a identificar um problema real e estudá-lo a partir da perspectiva de várias pessoas. A questão é apresentada de uma forma bem mais envolvente. Exemplo? World Without Oil em que as pessoas são convidadas a pensar num mundo sem petróleo.
Esse tipo de reflexão gera um efeito na vida – buscar novas fontes de energia e evitar ser tão dependente do petróleo, por exemplo. Sem contar que gera uma visão mais otimista sobre o futuro.
Reality is Broken é um apanhado de várias teorias sobre games, semelhante a outros livros também recém-lançados, como o Game Frame, de Aaron Dignan. Tem um quê de autopromoção da autora (todos os exemplos citados são jogos em que McGonigal atuou como consultora).
Para mim, a leitura vale por dois motivos.
O primeiro deles por desmitificar essa questão da Gamificação, nova buzzword nos principais blogs de mídia. Usar badges e outros tipos de recompensas é consequência e não ponto de partida. Gamificação diz mais a respeito de acrescentar uma camada a mais de motivação a atividades que até então eram consideradas banais.
O segundo motivo está na abordagem psicológica que McGonigal faz dos chamados projetos colaborativos. É muito mais uma questão de criar certas sensações – noção de pertencimento e equilíbrio – do que utilizar esta ou aquela ferramenta – Facebook e Twitter.
Veja também: Games para fazer jornalismo
Crédito das fotos: Rafa Puerta, Lamazone, NSTaeak, Isalei, Joi









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