Uma plataforma de liberdade social. Mais revolucionária que a mídia impressa e capaz de fornecer uma infinidade de informações para as pessoas em suas casas e escritórios. Plataforma que reinventará a política, questionará os direitos autorais, revitalizará comunidades e dará a cada pessoa o acesso direto ao conhecimento e à sabedoria mundiais.
Você acha que o parágrafo acima é uma descrição da internet? Errou. Essa é a descrição captada por um jornalista da New York Times Magazine quando a TV a cabo surgiu no final dos anos 60, nos EUA. Por aí, a gente percebe a expectativa que havia em torno da tecnologia na época.
Ou melhor. Por aí, nota-se que o surgimento de uma nova tecnologia motiva, pelo menos em seu início, teorias otimistas, profecias positivas e quase utópicas. Teorias que funcionam como uma eficiente ferramenta para vender uma tecnologia.
Com o rádio não foi diferente. As barreiras de entrada eram baixas. Proporcionalmente, qualquer pessoa poderia ter a sua própria estação (a tecnologia era barata e fácil de ser instalada).
Acreditava-se que o rádio mudaria a política para sempre. Políticos não poderiam mais ser dissimulados, já que as suas vozes entrariam no lar de cada cidadão.
E as guerras nem existiriam mais, na medida em que todo mundo estaria conectado e os povos entenderiam melhor as diferenças de cada um.
De modo sucessivo, achamos que uma nova tecnologia de comunicação traz a esperança do fim de todos os problemas da vida em sociedade. Existe um motivo natural por que agimos assim.
Como seres humanos, de geração em geração, sempre renovamos a fé de que quanto mais comunicação, melhor. Melhor o entendimento das coisas e a união entre as pessoas. Se alguma coisa deu errado, foi por causa de alguma falha de comunicação. É algo histórico.
O casal se separou? Culpa da falta de diálogo entre eles. O avião bateu no outro? Falta de comunicação precisa com a torre.
Portanto, apesar de mudarem as nossas vidas, mas não a nossa existência (o homem continua cometendo os mesmos erros), toda tecnologia de comunicação é vista historicamente com considerável otimismo.
É uma constante, segundo mostra Tim Wu, professor da Universidade de Columbia e um dos principais pesquisadores da internet, em seu livro The Master Switch (384 páginas/Editora Knopf Books), umas das minhas últimas leituras sobre mídia e tecnologia neste ano.
Segundo Wu (foto abaixo), da mesma forma que a TV a cabo, a internet já estaria preparada para sair dessa nuvem de otimismo e entrar no que ele chama de ciclo de aberto e fechado, tornando-se uma plataforma dominada por poucas empresas.
Para respaldar essa visão, o pesquisador, criador do termo “neutralidade da internet”, usa como argumento justamente o histórico de outras tecnologias de comunicação e de distribuição de conteúdo em rede – rádio, telefonia e televisão. Tecnologias que começaram como hobby, desenvolvidas por inventores jovens e idealistas, mas foram popularizadas por 3 ou 4 empresas com uma postura pragmática e que passaram a dominar o mercado.
Ao relatar esse histórico, Wu nos mostra que existe uma diferença entre inventor e fundador. Uma coisa é você criar algo novo; outra é você tornar essa invenção acessível e financeiramente viável.
Wu disseca não somente a “tradicional” indústria de telecomunicações, mas também temas mais recentes, como a fracassada fusão AOL e Time Warner.
Segundo o pesquisador, o problema da fusão Time Warner/AOL não foi a existência de diferenças de cultura entre as duas empresas – AOL (nova mídia) e Time Warner (velha mídia), mas sim a falta de visão de ambas a respeito do crescimento da banda larga.
Em suma, o que quebrou o modelo da AOL e sua atratividade foi a banda larga. Antes, a AOL era a sua “interface” com a internet, indicava os melhores conteúdos, ligava você a seus amigos.
Com a banda larga, oferecida pelas empresas de telefonia e TV cabo, a necessidade dessa “interface” desapareceu, pois você poderia acessar a internet diretamente. Não precisaria mais de um “provedor de internet”.
Aliás, a AOL também é um símbolo de como mudam as percepções das pessoas a respeito das empresas. Em 2000, a AOL era vista como a “empresa da nova mídia”, aquela que veio revolucionar a indústria de mídia. Hoje, 10 anos depois, é associada às “ilhas de informações” da web.
Basicamente, o livro de Wu reside em mostrar, de forma minuciosa, essa oscilação entre aberto e fechado no mercado de telecomunicações nos EUA. Ciclo que também se repete internamente nas empresas como a Google, para a qual Wu desfere algumas críticas.
A Google usa o “open” como estratégia de negócios justamente em mercados que deseja conquistar e tem pouca participação. Exemplo – celulares, com o sistema Android. Por outro lado, em mercados em que está consolidada, adota uma postura fechada. Exemplo – buscas. A Google não abre o “código” de seu mecanismo de busca – o Pagerank.
É nesse ponto do livro que Wu levanta algo que já comentei por aqui. A Google vai muito além de uma empresa de buscas. A empresa está comprando infraestrutura de internet. Busca, assim, uma integração vertical, marcar presença em todas as áreas da internet – publicidade, conteúdo, e, uma das mais importantes, infraestrutura.
Um posicionamento não muito diferente dos primórdios da indústria de cinema, quando estúdios compravam salas de cinema, com a intenção de dominar todo o processo de um filme – produção, distribuição e exibição – e, dessa forma, diminuir os riscos do lançamento de um novo produto.
Segundo Wu, essas sinergias têm prós e contras. Graças a elas, podemos ter produtos como o iPhone e o Google Nexus One, além de trazer estabilidade para empresas de entretenimento, que podem investir em projetos de risco (o risco é menor na medida em que ele fica dividido entre diversas plataformas).
Mas, por outro lado, segundo ele, podem abrir espaço, hoje em dia, para a discriminação de conteúdo, o que vai totalmente contra a ideia de “neutralidade da internet“, defendida por Wu. Uma empresa de acesso à internet (operadora de telecom, empresa de TV a cabo), por exemplo, deve ser neutra, não pode favorecer ou desfavorecer um site ou um tipo de serviço (um site de vídeos abrir mais rápido que os dos seus concorrentes).
Para minimizar isso, Wu propõe a criação do “Princípio da Separação”, uma forma de autorregulação do mercado de telecomunicações nos EUA. Empresas de conteúdo não poderiam entrar nos negócios de infraestrutura nem de dispositivos. Integrações verticais seriam proibidas. Nunca as três camadas poderiam se misturar na mesma empresa – conteúdo, infraestrutura de rede e dispositivos.
Ideia que o próprio Wu considera meio utópica no momento atual, em que o grande público aproveita os benefícios das sinergias – iPhone, iTunes, Hulu e grandes produções de Hollywood.
Em suma, The Masters Switch reconta a história das telecomunicações nos EUA sob a ótica da questão da “neutralidade da internet“.
O livro terminou para mim com uma sensação de ausência. Wu não responde à pergunta de 100 milhões de doláres. Televisão, rádio e telefonia, tecnologias em rede, começaram como setores extremamente abertos e depois tornaram-se fechados. Não cumpriram, por assim dizer, a utopia que os seus jovens inventores prometiam. Com a internet as coisas serão diferentes? Ela será a primeira plataforma de comunicação a quebrar esse histórico ciclo de “aberto” e “fechado”?
Apesar de muitos afirmarem que a internet é “inerentemente aberta”, o pesquisador revela uma visão pessimista para os defensores da “neutralidade da internet”.
É justamente nessa capacidade de reunir vários formatos de comunicação e pessoas em uma única rede, em uma única plataforma, que está o maior perigo da internet – “com todo mundo em uma única rede, o potencial de poder para controlar tudo isso é muito maior”.
A internet traz diversidade de conteúdo, mas não de plataforma. E quem domina a infraestrutura dessa plataforma tem um grande poder em mãos.
Veja também: O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes
Crédito das fotos: Robert Couse-Baker (1), Don kmel (2), divulgação (3), Qiao (4), JD Hancock e divulgação (5)






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