Celular é uma tecnologia dos países em desenvolvimento

Durante 3 dias, uma vez mais, a cidade de Camden, nos EUA, foi palco da Pop!Tech, uma das principais conferências sobre ciência e tecnologia do mundo. O evento reuniu pesquisadores e pensadores de diversas áreas – de música a tecnologia da informação.

Os três dias da Pop!Tech foram transmitidos ao vivo pela web.

Como não poderia deixar de ser, a conferência teve um painel inteiramente dedicado à questão do uso e visualização de dados – chamado de “social data” pelos organizadores da Pop!Tech.

Nathan Eagle, professor assistente do MIT, fez uma das apresentações mais interessantes. Começou provocando a platéia ao afirmar que, na realidade, o celular é uma tecnologia dos países em desenvolvimento. Regiões como África, por exemplo, estão usando e aproveitando bem mais a potencialidade da tecnologia móvel do que os chamados países desenvolvidos.

Em regiões em desenvolvimento, a telefonia móvel tem um impacto bem maior na vida das pessoas. Além do celular ser uma das principais (às vezes, única) porta de entrada para a internet, você precisa ter um telefone móvel para efetivamente fazer parte do sistema, ser um cidadão.

Praticamente quase tudo é feito por meio do celular – transações bancárias, contato com autoridades, compras e, o mais importante, a conquista de novos empregos.

Segundo o professor assistente do MIT, trabalhadores braçais na África, se organizam, ficam informados e conseguem empregos por meio de SMS.

Essa importância da tecnologia móvel nos países em desenvolvimento se reflete nos números. Para cada usuário de celular nos países desenvolvidos, existem 4 nos países em desenvolvimento.

Além disso, hoje, a maioria dos dados gerados e que estão na internet vem do mundo em desenvolvimento. Grande parte inseridos via celular. A questão central, segundo o pesquisador, é como transformar esses dados em algo útil às nações em desenvolvimento.

Eagle é o criador da txteagle, projeto que tem a ambição de permitir que as pessoas ganhem dinheiro ou créditos realizando atividades por meio do celular, na dinâmica de crowdsourcing. Essas atividades vão desde a tradução de textos até a colocação de tags em vídeos.

Outra apresentação na Pop!Tech que gostei bastante foi a de Eli Pariser, atual diretor do Moveon.org, plataforma responsável por diversas mobilizações online.

Pariser bateu numa tecla que também já bati aqui, no blog, e que Nicholas Carr brilhantemente comenta em seu livro “A Grande Mudança“.

Os sistemas de relevância (filtros) na internet têm um lado bom e outro ruim. Trazem informação personalizada, e evitam que gastemos dinheiro e tempo com músicas chatas, notícias que não interessam e programas de TV que não gostamos.

Contudo, podem nos deixar acostumados a ouvir somente o que nos agrada e a ler somente o que ratifica a nossa visão de mundo. Ou seja, nos deixa longe daquela visão de mundo discordante, daquele conteúdo que destoa, e que, muitas vezes, é tão necessário para a nossa formação, o contraditório, a diversidade.

Segundo Pariser, a web precisa de mais ruído. Todos esses sistemas que captam uma enorme quantidade de dados sobre a navegação, para mostrar resultados mais relevantes para a gente, são falhos em mostrar a diversidade da vida.

O pesquisador cita, como exemplo, o sistema de recomendação do Netflix, que vai afunilando cada vez mais as escolhas de filmes do usuário. Ele evita que nos deparemos com o contraditório.

Para o diretor do Moveon.org, nós precisamos sim de sistemas de relevância, de filtragem de informações (eles nos deixam mais confortáveis), mas também necessitamos de sistemas que nos mostrem o que ainda não sabemos, o aleatório.

Pariser brincou. Falou que, para resolver essa questão, criará o Things You Will Hate, site que reunirá apenas as coisas que você poderá detestar.

Ou seja, o contrário, o risco, tão importantes em nossa vida.

Segundo ele, o atual hype em torno da relevância online não deve acabar tão cedo. Atualmente, o Facebook é o maior símbolo disso. Esse hype existe por diversos motivos. O primeiro deles, a questão monetária. Quanto mais revelante um site, mais dinheiro ele ganha com anúncios. Outro motivo é o próprio bem estar, nos sentimos bem ao saber que somos relevantes, e que as coisas que fazemos são importantes para pessoas, têm um impacto.

Durante as perguntas, quando questionado sobre o que achava do recente artigo de Malcolm Gladwell, em que ele afirma que, na prática, a internet não é capaz de mudar as questões essenciais da política (realpolitik), Pariser respondeu que devemos fugir desse “determinismo tecnológico”, de pensar que as tecnologias servem ou não para mudar o mundo, de que são por si só responsáveis por todas as transformações na sociedade.

As tecnologias não são boas nem más. Nós é que podemos decidir o que fazer com elas

Outro pessoal que marcou presença no line-up da Pop!Tech 2010 foi o grupo Ok Go, aquele que ficou famoso no YouTube com um “videoclipe caseiro” em que dançavam em esteiras.

O grupo fez uma apresentação utilizando apenas uma das tecnologias/instrumentos mais antigos – sinos. Segue logo abaixo.

Em breve, outros vídeos da Pop!Tech estarão no ar.

Veja também: As pessoas estão nas “nuvens” faz tempo

Crédito das fotos: Kris Krüg

5 respostas para “Celular é uma tecnologia dos países em desenvolvimento”.

  1. gostei do texto!
    mas sabemos que o uso de celulares com pacote de dados ainda não é acessível no brasil – vide números recentes num comparativo global – quiçá no espectro amplo dos tais 'países em eterno desenvolvimento'.
    imagina a 'tensão' que causa ao mercado pensar nos seus milhões de usuários falando pelo skype e assemelhados, ao invés de realizarem uma chamada de voz tradicional?!

    concordo que o uso dos apps ao invés da busca/acesso tradicional via web – outra característica resultante da mobilidade – pode 'trancafiar' o usuário em (sub)mundos 'formatados ao seu vestir', criando limites ainda por se descobrir…

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  2. No Kênia, celulares da TeleSafari são usado como banco popular.

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  3. […] Veja também: Celular é uma tecnologia dos países em desenvolvimento […]

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  4. […] última edição da Pop!Tech, quando adiantou o assunto do livro, Pariser chegou a brincar, dizendo que o ideal seria existir um […]

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