O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes

“O futuro já está aqui, só não está bem distribuído”.

Nick Bilton, jornalista e pesquisador de novas tecnologias do NYTimes, toma emprestada essa frase do escritor de ficção científica William Gibson para ilustrar o seu livro de estreia – “I live in the future and here`s how it works” (304 páginas/Editora Crown Business).

Desenvolvedor e jornalista (às vezes, mais uma coisa do que outra), Bilton é atualmente um dos principais nomes do NYTimes. Tem o trabalho de analisar tendências e apontar para qual caminho o jornal deve seguir. É um dos hackers responsáveis pela guinada digital da publicação, que se reflete na transformação do site do jornal em uma plataforma aberta de conteúdo e na adoção de uma “postura neutra” em relação a dispositivos.

Em seu livro de estreia, o jornalista faz uma análise das recentes tendências na área de consumo de mídia e tecnologia. Segundo ele, o futuro já começou, as tecnologias estão disponíveis e em uso, o problema é que ainda não temos uma visão do todo.

Neste sentido, Bilton acredita que a indústria pornô online é a que melhor mostra para onde vai todo o setor de mídia. Aliás, lançar tendências sempre foi uma característica marcante deste tipo de indústria. Se você quer saber como será o futuro, olhe para ela, sentencia.

Por exemplo, no final dos anos 90, atores de filmes pornôs já tinham o costume de conversar online com o seu público antes e após as suas apresentações. Eles tinham consciência da importância da “conversação” com a audiência. Hoje é comum encontrar programas jornalísticos de TV cujos apresentadores conversam com o público durante os intervalos.

Para surpresa de alguns, na época, foi detectado que o público que mais participava dessas conversas era o que se sentia mais desconfortável em “piratear” conteúdo pornô. Segundo Bilton, essa dose de conversa, de humanidade, entre quem cria e quem consome conteúdo, era importante para a indústria, gerava fidelidade e evitava a “pirataria”.

E mais. A indústria pornô sempre foi ligada a novas tecnologias. Tem o costume de criar as próprias tecnologias, não espera que surjam. Quando não muito tem o hábito de hackear tecnologias existentes para atender melhor às suas necessidades. O autor cita o caso da tecnologia 3D e de múltiplas câmeras, utilizadas há um bom tempo pela indústria.

Em seu livro, Bilton se posiciona como um “nativo digital”, um hacker (no bom sentido, claro). Com 34 anos, cresceu no mundo do Atari e depois passou para os computadores e vídeo-games mais complexos, como o Xbox 360 (o jornalista conta que é um jogador assíduo de  “Call of Duty: Modern Warfare 2”).

I live in the future” é apoiado no uso de QR code e em um aplicativo exclusivo para iPhone. Ao escanear o QR code localizado logo no início de cada capítulo, é possível acessar uma página com vídeos e textos relacionados ao mesmo.

Porém achei mais interessante acessar o conteúdo do QR code após ler cada capítulo, como um complemento à versão impressa do livro.

O vídeo abaixo mostra com mais detalhes como funciona a integração.

Em razão de ser um evangelista do digital, o autor adota uma postura positiva. Em relação aos recentes debates, por exemplo, sobre o suposto fato de a internet nos emburrecer, Bilton responde que nenhuma plataforma é superior a outra, deixa a gente mais ou menos inteligente. Elas apenas estimulam e proporcionam experiências diferentes. Vídeos-games, por exemplo, têm a capacidade de estimular a parte visual. A mídia impressa, outras partes do cérebro.

Sobre as plataformas de redes sociais, ele acredita que são âncoras em nosso dia a dia. Uma solução para o overload informativo. Como um âncora de TV, nosso círculo social separa e apresenta o que é mais importante e relevante de ser lido.

Sempre quando converso com alguém do NYTimes, percebo uma postura comedida em relação à guinada digital da publicação. Com Bilton não é diferente.

Apesar do NYTimes constantemente produzir produtos online premiados, logo nos primeiros capítulos, o jornalista deixa claro que ainda falta muito para a versão digital do jornal proporcionar uma experiência tão boa quanto a impressa. Ainda há muito a ser feito.

Citando o cientista político Benedict Anderson, o pesquisador do NYTimes lembra que a mídia impressa sempre teve uma capacidade de ser “social”. Por utilizar uma linguagem comum, tem a competência de criar “comunidades imaginárias” e um senso de nação.

Com esse raciocínio, Bilton aponta para um detalhe histórico importante. Alguns dos primeiros jornais na Inglaterra vinham com uma folha em branco para que o leitor pudesse escrever algo quando passasse o jornal para frente, para outra pessoa ler.

Ou seja, os jornais vinham com “espaço para comentários”, já havia um senso de conversação e interatividade na mídia impressa.

Porém, por volta do ano de 1920, duas teorias sobre o papel da imprensa se debateram, lembra o jornalista. Uma de que ela deveria dizer às pessoas o que precisavam saber. E a outra de que deveria ser um veículo para conversações. O público deveria trabalhar junto aos jornalistas, a imprensa não ditaria o que as pessoas deveriam saber.

Nem preciso dizer qual linha de pensamento prevaleceu. No entanto, o pesquisador acredita que a 2ª teoria está sendo resgatada com o crescimento dos blogs, redes sociais e sites de vídeos.

O lado negativo de “I live in the future” pode estar em não deixar as coisas explícitas, o que pode desagradar aos leitores mais preguiçosos. Bilton não fala – faça isso, faça aquilo, evite isso. Ele simplesmente mostra o que está acontecendo no consumo de mídia e deixa que o leitor (no caso, um gestor de uma publicação) tome as suas decisões.

O autor não arrisca também fazer previsões sobre modelos de receitas, mas diz que, historicamente, as pessoas pagam por experiência e facilidade. Conteúdo, no caso, é apenas parte dessa experiência, conforme, segundo ele, o iTunes tem mostrado, ao proporcionar para quem quer comprar música e filmes, algo imediato, quase infinito e personalizado.

Para mim, o livro tem dois pontos altos. Um deles, quando o autor deixa claro que um dos principais desafios da mídia não é mudar de plataforma ou dispositivo (antes papel, agora digital/antes carta dos leitores, agora página no Facebook), mas trabalhar com novas narrativas, conseguir se manter atraente em meio a tantas opções.  O desafio é narrativo.

Proporcionar uma experiência mais personalizada e humana. As pessoas, acima de tudo, estão atrás de experiências, com outras pessoas, conteúdos, instituições.

Porém, Bilton tem uma visão pessimista. Ela acredita que esses desafios somente serão levados a sério pelo setor de mídia no momento em que os chamados “nativos digitais” assumirem o poder. Em outras palavras, no momento em que as pessoas que realmente cresceram online forem as responsáveis por “bater o martelo”, definir estratégias em empresas de mídia.

(eu discordo um pouco de Bilton, acredito que a questão não é tanto sobre gerações, mas sim sobre maior competitividade. Em um mercado em que todos estão na mesma posição há muito tempo, dificilmente alguém vai inovar, buscar desafios e correr riscos. Quanto mais competição, mais as empresas/pessoas buscam inovar).

Outro ponto relevante do livro está quando o jornalista afirma que o futuro (quase presente) será marcado pela diversidade de experiências e dispositivos. Ou seja, bem diferente do momento atual, em que você assina um serviço de TV a cabo, mas é obrigado a consumir o conteúdo somente no aparelho de TV. Ou você gosta de uma revista, mas só há a possibilidade de ler a respectiva publicação no papel, quando não muito num site pouco atraente.

Bilton deixa visível que essas histórias de que o iPad vai matar o Kindle ou que ninguém mais vai assistir TV estão com os dias contatos. Todos esses dispositivos coexistirão, por que haverá público para todos. Com a queda do custo dessas tecnologias, será cada vez mais comum produzir produtos que atendam a cada detalhe e demanda de mercado.

Não haverá espaço para generalizações, as mídias digitais surgiram para trazer diversidade, por isso não faz sentido depositarmos todas as nossas fichas em um único dispositivo ou sistema.

Você quer ler matérias de fôlego? Elas existirão. Ou notícias apenas em 140 caracteres? Estarão no Twitter. Ou ainda, gosta de ler revistas no formato digital? Estarão nos e-readers. Ou, prefere  ler no papel mesmo? Também estará lá. É fã das análises feitas pelos blogs? Elas existirão ao lado dos sites de grandes publicações.

Em suma, o nosso futuro no tocante ao consumo de mídia será fortemente marcado pela diversidade de opções de conteúdo, dispositivos e experiências.

Veja também: O que a Barbie tem a ver com tecnologia

Crédito das foto: Inju (1), divulgação (2), dsevilla (3) e divulgação (4)

19 respostas para “O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes”.

  1. Boa tarde!

    Qual serÁ a tendencia da midia eletronica como os blogs falando de coisas toscas e sem conteudo ´E UM NOVO CENARIO? OU A BANALIZAÇAO .OU E UM NOVO TEMPO QUE VAI SER FEITO DAQUI PRA FRENTE?

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  2. Bom texto Tiago, obrigado por compartilhar.

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    1. Correto o ponto de vista o futuro e aqui e agora como sempre foi e será, parece com a fição

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  3. SE OS HOMENS CRIAREM CADA VEZ MAIS REDES DE INFORMAÇÕES, O FUTURO SERÁ SEM NINGUÉM TER PRIVACIDADE DE NADA, TODOS SABERÃO ONDE SE ESTÁ, PARA ONDE VAI E DE ONDE VEIO, NÃO OBRIGATORIAMENTE NESSA ORDEM. QUEM TIVER PRIVACIDADE QUE A PROTEJA, POIS TODOS QUEREM SABER DE TODOS. A INFORMÁTICA ESTÁ SACRAMENTADA COMO INSTRUMENTO DE USO EM TODAS AS ÁREAS HUMANAS, PRO MAL E PRO BEM, TALVEZ SEJA ELA A BESTA TÃO FALADA PELOS LIVROS BIBLICOS.

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  4. Tiago Dória, parabéns pela matéria.
    Saberia me dizer se tem previsão para lançamento do livro mencionado (“I live in the future and here`s how it works” – Editora Crown Business) no Brasil em Espanhol ou Português por exemplo? Obrigado

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    1. Obrigado, Paulo.

      Vou ver se consigo essa informação. O livro foi lançado nesta semana nos EUA, por isso é meio difícil ter alguma editora brasileira já com data certa de lançamento.

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  5. Nunca mais tinha lido na Internet um texto bem escrito, extenso, mas não cansativo, com boa cadência, atrativo e abordando um tema relativamente complexo, mas com uma sutileza genial.

    Parabéns!

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  6. Valeu pelo texto, Tiago. Estava mesmo de olho neste livro.

    Sobre a questão da geração/competitividade, acho que concordo com o Bilton. Apesar das empresas atuais investirem em inovação, em grande parte para não repetir os erros da indústria fonográfica, elas não estão preparadas para queimarem os navios.

    Apenas com o investimento em novas empresas (conduzidas por essa geração de nativos digitais) veremos a verdadeira inovação na indústria. Acredito que ela virá dos Tumblrs, Instantpapers, Flipboards, e não internamente — vide influência da Netflix no pedido de falência da Blockbuster.

    Não é a toa que NYTimes, por exemplo, vem realizando investimentos neste tipo de empresa (Betaworks, Automattic). Esse cenário das empresas de mídia está cada vez mais parecido com o de tecnologia do Sillicon Valley 🙂

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    1. Bem lembrado, Mauricio. A inovação poderá vir de fora também.

      Neste sentido, a NPR também está com uma postura interessante de fechar parcerias com startups de jornalismo http://www.theatlantic.com/special-report/ideas/a

      abs

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  7. A mídia no brasil é a mais fechada do mundo. Éla tem 3 ou 4 donos e a mesma crítica sobre política. O futuro dela será o presente, aliás tudo no Brasil é demorado, estilo D.João VI.

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  8. […] jornais, jornalismo, nick bilton, NYT, tiago dória Tiago Dória escreveu um post interessante, como de costume, sobre um livro de Nick Bilton, um dos líderes da guinada do NYT. Lá pelo meio […]

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  9. […] Em outras palavras, a caixa de entrada de emails, Facebook, Orkut ou Twitter são os primeiros fluxos de informação com os quais temos contato no início do dia e não mais o “jornal da manhã”. Contudo,  isso não quer dizer que não tenhamos notícias nessas plataformas (até temos, mas é um tipo de informação que foi pré-filtrada pelo nosso círculo social). […]

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  10. […] Veja também: O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes […]

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  11. […] I live in the future and here`s how it works, de Nick Bilton (304 páginas/Editora Crown Business) Nick Bilton, um dos hackers responsáveis […]

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  12. […] o Radiohead tenha dado uma olhada no livro “I live in the future and here`s how it works“, de Nick Bilton, no qual o “tecnólogo” do NYTimes afirma que o futuro será […]

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  13. O que Bilton está narrando é o contexto de transmidia.Onde o que importa é o conteúdo e não a mídia.Um conteúdo que possa tanto estar presente na forma de video,de texto,de imagem.Um roteirização ampla de se mostrar a mesma estória.É para onde suspeito que o conteúdo rumará nos próximos anos e já é.Para o consumidor,o que importa não será esta ou aquela midia,sim como ele vai consumí-la.A gosto para tudo e daí é fácil prever que todos os formatos de midia coexistirão e se locopletarão.Definindo-se o fator preço,haverá sim,muito mais poder de escolha.

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  14. errata-

    Há gosto para tudo e daí é fácil prever que todos os formatos de midia coexistirão e se locopletarão.Definindo-se o fator preço,haverá sim,muito mais poder de escolha.

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  15. […] Veja também: O futuro da mídia segundo um hacker do NYTimes […]

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