Será que um jogo consegue fazer a gente chorar, ficar pensativo ou esperançoso, igual a um filme? Eu pelo menos passei a acreditar que sim depois de jogar Heavy Rain, game lançado recentemente para PlayStation 3 e que vem causando burburinho nos principais sites de mídia.
O hype em torno do jogo não é desprovido de motivos. É “um filme interativo“, uma “revolução na narrativa dos games”, ou não é “nada de mais”. Cada um fala uma coisa.
Ao contrário das críticas mais comuns, não acredito que Heavy Rain seja um jogo que quer imitar um filme. Na realidade, é um jogo. Mas um jogo que proporciona a mesma imersão emocional de um filme. O que é, de fato, um pouco diferente.
Filmes, livros, peças de teatro, alguns shows, nos fazem chorar, ficar com raiva, esperançoso, indeciso, alegre, depressivo por que conseguem proporcionar uma imersão emocional. Parte de seu sucesso vem a partir disso. O problema é que, em geral, os games ainda não haviam chegado a esse ponto.
Em verdade, alguns jogos até conseguem, mas não com a profundidade de Heavy Rain.
Para compreender o burburinho em torno do jogo, é preciso entender que Heavy Rain é um produto com qualidades gráfica e sonora nunca vistas, o que ajuda, claro, a criar essa imersão. Você pode controlar cada detalhe da história, decidir o encaminhamento de quase tudo, semelhante à série de livros “E agora você decide“, sucesso nos anos 80.
Por outro lado, o rótulo de filme interativo, em que você pode influenciar cada detalhe do enredo, não é totalmente descabido. São utilizados típicos ângulos cinematográficos. A música incidental é perfeita, casa com cada cena. Enfim, Heavy Rain tem um pouco de cinema e TV.
Ecoando a fórmula de sucesso de seriados como “Lost” e “Desperate Housewives“, trabalha com quatro personagens simultâneamente. Ou seja, parte do presuposto que, ao contrário da “narrativa tradicional”, uma pessoa pode criar uma empatia com mais de um personagem ao mesmo tempo.
Todos têm virtudes e defeitos que os tornam mais “humanos” (acompanho vídeo-game desde a época do Atari, e foi Heavy Rain o jogo que me fez entrar efetivamente nos personagens).
Madison Paige é uma jovem jornalista que sofre de insônia. Ethan Mars, arquiteto, vive eternamente com sentimento de culpa. Scott Shelby, um policial aposentado, asmático e com jeito bonachão. Norman Jayden é um investigador do FBI viciado em drogas psicotrópicas. Você joga a história, vê a história da perspectiva de cada um.
O enredo gira em torno de um serial killer (Origami Killer) que assusta uma cidade dos EUA, com uma série de desaparecimentos de crianças. Mas, em uma perspectiva mais ampla, a história é também sobre a relação entre pai e filho e o quão longe podemos ir por quem amamos.
Como já é quase costume na indústria de games, o processo de produção foi digna de filme. Para se ter uma ideia, a Quantic Dream, produtora do jogo, trabalhou com um roteiro (sim, como nos filmes) de mais de 2.000 páginas. Para produzir o jogo, foram uns 4 anos.
De certa forma, é a continuação da fórmula de jogos como “Silent Hill” e “Fahrenheit” (praticamente um pré-Heavy Rain). Mas Rain consegue casar melhor todos os elementos.
Não existem decisões binárias no jogo – certo ou errado. Diversas coisas podem ser certas ou erradas dependendo do contexto. Isso faz Heavy Rain ser um jogo mais realista que pede a atenção em cada detalhe. Aquela janela que você deixou aberta quando saiu de casa pode ter um efeito lá na frente. As suas ações têm consequências.
Além disso, o jogo tem alguns aspectos de “Janela Indiscreta“, clássico filme de suspense, e um pouco de “Minority Report” e “CSI” (um óculos especial que serve para ver pistas escondidas marca presença).
O que achei ruim em Heavy Rain é o fato de que o jogo pode ficar tedioso em alguns momentos. Noto que é para causar uma maior identificação, mas ter que, por exemplo, controlar os detalhes do personagem fazendo a barba ou trocando a fralda do bebê, às vezes, cansa um pouco.
Não acredito que Heavy Rain será uma unanimidade. Algumas pessoas não gostam de jogos com enredo mais trabalhado. Preferem algo casual.
O que Heavy Rain adiciona é uma nova curva de aprendizado para a indústria. Sem dúvidas, abrirá espaço para que outros jogos sigam o mesmo caminho. Entra para a história dos games, assim como PacMan, GTA, Mario Bros entre outros.
É um jogo que recomendo a qualquer pessoa que, sem preconceitos, se interessa por mídia e novas narrativas, a dar uma olhada, nem que seja rapidamente.
Contudo, é importante frisar que o valor de Heavy Rain não é calcado na questão gráfica nem no detalhamento de movimentos dos personagens, mas na emoção.
Como diria John Lasseter, cofundador da Pixar, a respeito da animação gráfica – “não são os olhos, mas o olhar. Não são os lábios, mas o sorriso”.
Da mesma forma que a Pixar trouxe um caráter emocional aos longas-metragens de animação gráfica, por meio de Heavy Rain, a Quantic Dream trouxe, de forma efetiva, o que faltava no campo dos jogos eletrônicos – uma imersão emocional real, digna da indústria cinematográfica.
Logo abaixo, um trailer dá uma boa noção sobre o game para quem ainda não jogou.
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