Na hora em que o McDonald`s contrata um chef especializado em slow-food e as suas lojas passam a vender água de coco e saladas, e no Japão começa a aparecer a geração fureeta, que acredita que não é preciso trabalhar até se matar, é de se perguntar se o “slow movement” não está aos poucos ganhando espaço, de forma quase imperceptível.
Em seu livro Devagar (352 páginas/Editora Record), o jornalista canadense Carl Honoré diz que o “slow movement” não é panfletário. Pelo contrário, é algo que acontece aos poucos, de forma discreta. De minuto em minuto, as pessoas vão questionar o porquê de fazer tudo rápido. Rapidez sempre quer dizer eficiência? Produtividade? Quantidade é igual a qualidade e relevância?
Honoré escreveu o seu livro em 2004 e começou a pesquisa para produzi-lo um pouco antes. De lá para cá, bastante coisa aconteceu.
De novidade, o Twitter e a tal da “internet em tempo real” ajudaram a dar uma nova vida ao “slow movement“. Quase sempre quando o homem se fascina pela velocidade surge uma reação.
Dos profissionais mais recentes, John Freeman, autor do livro A Tirania do email; Arianna Huffington, fundadora do portal Huffington Post, que, a cada dia, busca equilibrar análise com “notícias em tempo real”; e o pesquisador de mídia Ethan Zuckerman, da Universidade de Harvard, começaram a questionar o porquê do fascínio pela velocidade na área da comunicação.
O pesquisador Dan Gillmor também comentou sobre o assunto. Mas fez uma análise apressada. Em uma espécie de maniqueísmo jornalistas versus leitores, dá a entender que o culto à velocidade no jornalismo existe simplesmente devido à busca dos profissionais por competitividade.
Honoré mostra que, ao contrário, o fascínio pela velocidade existe em razão de motivos bem mais complexos.
Vem da própria maneira como pensamos sobre o tempo. Nas tradições filosóficas chinesas, por exemplo, o tempo é visto de forma cíclica. Na tradição ocidental, ao contrário, o tempo é visto de forma linear, como algo que vai de A a B. É finito.
Casado com isso vem a própria necessidade do homem de medir e fracionar com precisão a passagem do tempo – minutos, segundos e milisegundos. Desde a invenção do quadrante solar egípcio de 1.500 a.C. até a invenção do relógio mecânico no século XVIII, a própria sobrevivência humana era um dos principais estímulos para medir o tempo.
O tempo era utilizado para saber quando plantar e colher. E com quanto mais precisão o homem medisse o tempo, melhor. A busca pela precisão na medição do tempo virou questão de Estado.
Meio contraditório, mas quanto mais o homem tenta controlar e entender o tempo, mais ele fica refém.
Neste sentido, o relógio é a tecnologia que melhor simboliza essa tentativa do homem de entender e medir o tempo. E o fascínio pela velocidade é mais um daqueles efeitos a longo prazo proporcionados por uma tecnologia, mas que foi subestimado em sua devida época por especialistas .
Na época da invenção do relógio mecânico, especialistas exaltavam e conseguiam ver apenas benefícios (iguais às discussões sobre os efeitos da internet hoje em dia). O homem será mais eficiente, terá mais tempo para fazer outras coisas. Mas ninguém imaginou que, como efeito colateral, o relógio criaria esse vício em velocidade, que perdura até hoje.
Outros autores vão mais longe e acreditam que o fascínio do homem pela velocidade é algo transcendental. Corremos para fugir da morte. A velocidade, no caso, com o estímulo sensorial que provoca, seria uma forma de distração, para fugir da “consciência de mortalidade”.
A própria leitura de Devagar, que está em sua 5ª edição no Brasil, ajudou a corroborar a minha teoria de que as ideias do “slow movement” estão ganhando espaço.
Honoré cita duas coisas que vão ao encontro. Uma delas, as gerações mais novas estão lendo mais, estão sabendo equilibrar melhor. Cita o fenômeno de leitura de Harry Potter, livro em média com 700 páginas. J. K. Rowling, autora da série Harry Potter, mostrou que ler é uma coisa legal.
E outra – em relação às gerações anteriores, a atual vê o trabalho de forma diferente.
Quando conversei com a Carol Bensimon aqui, no blog, comentei sobre isso. Um dos aspectos que a nossa geração tem de bom é isso, saber equilibrar melhor lazer, vida familiar e trabalho.
O que, às vezes, deixa de cabelo em pé os setores de Recursos Humanos (RH). Pessoas largam “grandes empregos” para ganhar menos, mas ter mais tempo para lazer ou trabalhar com o que gosta. Ou ainda ter o seu próprio negócio, ser o patrão de si mesmo e assim potencialmente conseguir controlar melhor o… tempo.
Honoré é bem cético em relação a tecnologias que prometem economizar tempo. Na verdade, são as pessoas e a nossa noção de tempo que devem mudar antes de tudo.
Cita o caso do email. Uma de suas propostas era economizar tempo. Mas a facilidade de uso do email levou ao abuso (basta apertar um botão e enviar a mensagem). O resultado final é um montão de mensagens em nossa caixa postal todos os dias e que consome mais ainda o nosso escasso tempo.
E é nesse tópico – escassez de tempo – que está uma falta evidente no livro de Honoré. Não falar sobre o quanto o tempo virou quase uma moeda hoje em dia. Conscientemente ou não, as pessoas estão percebendo que o seu tempo tem valor, está virando moeda.
Pagamos mais caro na hora de comprar um ingresso para não ter que ficar tanto tempo em filas. Pessoas pagam para baixar música na loja iTunes para não terem que perder tempo procurando por uma música na web. Utilizamos o Google para não ter que ficar perguntando a esmo por uma infomação. Ou seja, em parte, utilizamos o Google para economizar tempo.
Por outro lado, achei interessante o jornalista mostrar que o “slow movement” está bem longe de ser um movimento de autoajuda, new age ou ludista. Menos ainda, ligado a “pessoas alternativas” ou à preguiça. Na realidade é sobre equilíbrio, encontrar o tempo correto para cada coisa.
Cada coisa tem seu tempo. Algumas devem ser rápidas. Outras mais lentas. O problema é que, na maioria das vezes, estamos fazendo tudo rápido.
Carl Honoré atravessou diversos países para fazer a sua pesquisa sobre o “slow movement“, que começou enquanto ele ainda era colaborador do jornal canadense National Post. O jornalista fala sobre o movimento em diversas áreas – gastronomia, educação, relacionamentos, sexo.
Segundo o seu estudo, o “slow movement” nasceu na Itália, nos anos 80. Por ironia, no mesmo país onde antes foi lançado o Manifesto Futurista, que exaltava a “beleza da velocidade”.
Sobre a vertente mais nova do “slow movement“, o “slow news movement“, é interessante notar que, depois da medicina, a área de jornalismo talvez seja a que mais vive em conflito com o tempo.
Na medicina, velocidade é crucial. Um paciente ferido a bala, por exemplo, precisa ser tratado o mais rápido possível. Segundos se tornam muito importantes.
Mas, ao mesmo tempo, mais rápido nem sempre quer dizer melhor, principalmente em tratamentos. Não é à toa que a medicina alternativa ganha espaço.
No jornalismo, velocidade também é primordial. Não é sem motivos que os produtos do jornalismo têm nomes ligados à questão do tempo. Jornal Hoje, Jornal Zero Hora, 60 minutes.
Ter prazos é bom. Faz o trabalho ficar mais focado. Em seu último livro, Vida de Escritor, o jornalista Gay Talesse mostra que a falta de prazo faz você perder o foco. Mas, por outro lado, a velocidade faz cair a qualidade principalmente em relação à checagem de informações.
E no caso do jornalismo, “slow news movement” não tem nada a ver com fazer todas as reportagens lentas, mas em buscar o tempo certo. Será que todos os assuntos pedem uma produção rápida, liveblogging? Será que um evento como o TedxSP é para ficar tuitando que nem um doido ou mais adequado para depois escrever um post, uma matéria bem trabalhada com várias conexões?
É esse tipo de questão que o “slow movement” propõe. Cada assunto pede uma velocidade.
Não é fazer tudo rápido nem tudo lento. É o equilíbrio. Buscar o tempo giusto para cada coisa.
Parte do livro Devagar está disponível no Google Books.
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Crédito das fotos: KatyKaite, Viernest, The After Shock, Kewei e reprodução.





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