O que o YouTube está matando

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Lembro que duas coisas chamaram a minha atenção quando acessei pela primeira vez o YouTube, lá em meados de 2005. O fato dos vídeos “rodarem” no Firefox (“Finalmente um site de vídeos que abre no Firefox”, pensei na época) e a questão de poder embutir o vídeo em um post do blog.

Na época, quando noticiei no blog, defini o YouTube como “uma espécie de Flickr dos vídeos”.

A primeira característica nem tanto, mas a segunda, poder embutir os vídeos, ainda é vista como um dos principais motivos do sucesso do YouTube. A capacidade de você poder incorporar em um post um vídeo do YouTube apenas copiando e colando um código HTML (código embed).

Na época, o artifício foi visto como uma simples “firula” ou “diferencial” de um novo site de vídeos feito por nerds, mas já revelava a futura estratégia de negócios do YouTube, de criar valor em torno da circulação e não do controle de informações, o que ia contra o modelo tradicionalmente adotado pelas plataformas de mídia. O “código embed” também abriu caminho para que os vídeos do YouTube fossem inseridos em diferentes mercados culturais.

De 2005 até hoje, o YouTube cresceu e mudou. Deixou de ser ferramenta de nicho. Foi comprado pela Google em 2006 por US$ 1,65 bilhão. Ficou no meio termo entre ser amigo ou inimigo dos grandes estúdios. Virou palco da guerra dos direitos autorais, plataforma para lançamento de campanhas publicitárias virais, além de arquivo acidental cultural de uma época.

E agora faz parte da cultura popular. Não há quase como negar.

Nesses 4 anos, dois rótulos não escapam.

O primeiro deles. É um “metanegócio” (termo criado pelo tecnólogo David Weinberger), negócio que aumenta o valor da informação produzida em outro lugar. O segundo, é um exemplo de convergência entre as chamadas novas e velhas mídias. Ao mesmo tempo que abriga novos atores, dá visibilidade ao material e às referências vindas da televisão.

E é nessa convergência de mídias que surgem os conflitos em relação a direitos autorais e usos do YouTube. Um dos desafios atuais mais evidentes da YouTube Inc, empresa que gerencia o YouTube, é lidar com as demandas simultâneas dos vários públicos que utilizam o site.

Neste cenário, surgem questões. O YouTube está no mercado de plataformas de mídia ou de redes sociais? Seu papel é criar relacionamentos ou meramente ser uma plataforma de distribuição?

Em geral, ainda influenciadas pela cultura da radiodifusão, empresas tradicionais de mídia veem o YouTube mais como uma tradicional plataforma de mídia. Mais como um canal para escoarem o seu conteúdo e servir de isca para atrair público para outros lugares.

Neste sentido, se preocupam mais com o número de visualizações do que com as conversas que surgem nos comentários do YouTube.

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O mesmo acontece com o Twitter. Muitas vezes, empresas de mídia com uma abordagem mais tradicional somente se interessam pelo Twitter quando percebem que ele pode ser uma fonte de tráfego e de visibilidade para o seu conteúdo.

Preocupam-se mais em ser “retuitados” do que criar relacionamentos. O que também é válido. Mas apenas enxergar esse “caráter promocional” do YouTube e do Twitter, de dar mais visibilidade a um conteúdo, é aproveitar apenas 30% do potencial dessas ferramentas.

O livro YouTube e a Revolução Digital (240 páginas/Aleph Editora), de Jean Burgess (Universidade de Queensland) e Joshua Green (MIT), recém-lançado no Brasil, mostra que grande parte do potencial do YouTube está na capacidade de criar relacionamentos e incentivar a criatividade popular.

É o segundo livro a respeito do site de vídeos que surge de um trabalho acadêmico. O primeiro foi “A televisão será revolucionada“, de Amanda Lotz, lançado em 2007.

Além disso, YouTube e a Revolução Digital é um dos primeiros trabalhos dedicados a analisar o YouTube não como uma plataforma de distribuição, mas sim de relacionamentos. Ou seja, vê mais o seu caráter de rede social. Revela, por exemplo, que os usuários do YouTube expandem a sua interação para outros sites, como o Stickam, que permite fazer transmissões ao vivo de vídeo.

Ademais, não ficam presos a restrições tecnológicas e à arquitetura do site. Se o YouTube não tem determinado recurso, eles tratam de utilizar aplicativos e sites que complementam os recursos padrões do YouTube. Qualquer semelhança com o usuário do Twitter, que geralmente utiliza diversos aplicativos satélites criados em torno do serviço de microblogging, não é mera coincidência.

paris_hilton_01Sobre o futuro do YouTube? Segundo os pesquisadores, a sustentabilidade será um dos principais desafios do site de vídeos nos próximos anos. Da mesma forma que o Twitter,  a entrada de celebridades afetou a sustentabilidade do YouTube.

A aparição de Oprah e de Paris Hilton, que passaram a ter canais exclusivos no site de vídeos, mudou o relacionamento da comunidade de usuários com a YouTube Inc.

Afinal, a YouTube Inc trabalha para o conteúdo amador, o Broadcast Yourself, lema do site, ou para atender às exigências das “grandes emissoras de TV e dos estúdios”? Ela conseguirá manter no YouTube ao mesmo tempo as abordagens “bottom-up” e “up-bottom”?

YouTube e a Revolução Digital foi escrito em um tom de texto mais acadêmico, o que pode tornar a leitura não muito fluída para quem não está acostumado ou não gosta deste tipo de texto. E na edição brasileira, o link fornecido para conferir o “material exclusivo” em relação ao livro não funciona.

Porém, para mim, o mais interessante da leitura do livro de Burgess e Green é vê-la em um contexto maior. Neste sentido, não é um livro sobre o YouTube, a “cultura participativa” e os seus usuários, mas sobre como o nosso modo de consumir conteúdo mudou.

youtuberev_capa01Somos consumidores de mídia mais ativos. Não no sentido político ou ativista. Mas de não aceitar somente a narrativa baseada no “dito e feito”. Nisso, Burgess e Green lembram que participar do YouTube não é apenas criar conteúdo original, fazer upload de material novo, mas a atitude de colocar um vídeo nos favoritos ou assinar um determinado canal do YouTube é também um ato de participação. São formas de expressão.

Para exemplificar, é citado o caso do discurso do primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, com um pedido histórico de desculpas aos povos nativos da Austrália, feito em fevereiro de 2008.

No YouTube, ao lado do vídeo com o discurso de Rudd, há vários outros, que destacam apenas os trechos mais importantes, algumas paródias, outros que relacionam o pedido a músicas. E mais alguns em que usuários discursam em frente a webcam afirmando se são a favor ou contra o pedido.

Em suma, ao lado do vídeo do pedido de desculpas, vários “remixes” em torno do conteúdo original. No caso, assistir à transmissão do pedido foi apenas o início da experiência com o conteúdo, com a notícia. O consumo deixou de ser apenas o ponto de chegada. É o início da experiência.

Ou seja, a questão não é somente sobre contestar as antigas regras de direitos autorais, pois, a longo prazo, o que o Youtube está ajudando mesmo a matar é a narrativa baseada no “dito e feito”.

Veja também:
Linha do tempo mostra histórico dos vídeos no YouTube

Crédito das fotos:(1) WizeTux, (2) Mark Roquet, (3) reprodução, (4 e 5) divulgação

14 respostas para “O que o YouTube está matando”.

  1. O assunto é muito complexo, mas se eu tivesse muito dinheiro não apostaria no youtube… o youtube é lugar para pessoas comuns, os vídeos da mais alta qualidade acabam figurando junto com vídeos bobinhos como o urso-panda que espirra.. e acabam perdendo em visualizações! A cultura do youtube é bem essa de promover o amador… difícil algum profissional aparecer por lá sem parecer bobo. Note que os comentários são bem do nível do orkut ou de um 4chan… então a cultura de quem acessa a internet, o alvo.. é fraco na maioria.

    Não sei se há algum exemplo de aumento de venda através do site. Esse é um problema da internet, tudo que é caríssimo para produzir por aqui é mais barato… exemplo: as mídias digitais, mas infelizmente os empreendores estão mais preocupados com o valor de produção do produto do que torná-lo mais barato, não há diferença entre um dvd e um arquivo em avi por exemplo se a função é assistir ao filme. O Stream de um servidor só dá conta de uma audiência de milhares…

    A internet é um ambiente muito perigoso para controlar investimentos… pois o consumidor tem prazer em compartilhar o produto de graça. Alguém vai lá, baixa seu stream e joga em algum torrent… logo aquilo que as pessoas pagam para se relacionar em um cinema, pode-se ser vista de graça por milhares de nerds solitários gratuitamente.

    O que veremos será propaganda agregada ao produto talvez… mas dinheiro.. acho difícil, mas se ao mesmo tempo estão produzindo coisas na internet, há a tirania consumeirista descontrolada. A internet é o 4chan, é bem dizendo, o caos (risos).

    Há de ser um bom economista austríaco, senão a internet vai gerar mais uma crise financeira…

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    blockquote>A internet é um ambiente muito perigoso para controlar investimentos… pois o consumidor tem prazer em compartilhar o produto de graça. Alguém vai lá, baixa seu stream e joga em algum torrent… logo aquilo que as pessoas pagam para se relacionar em um cinema, pode-se ser vista de graça por milhares de nerds solitários gratuitamente.

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    Caro Charles: calcular a rentabilidade de um investimento na Internet apenas pelo número de cópias do original vendidas é um pouco retrógado nos dias de hoje, não acha? Para além das receitas geradas directamente pela publicidade (que não são nada de menosprezar), o YouTube pode contribuir sim enquanto canal de promoção de venda de conteúdos originais, embora apenas de edições limitadas e de luxo que proporcionem uma mais-valia ao utilizador, como (no caso da música) para vender mais bilhetes para concertos.

    Enquanto as pessoas não entenderem que necessitam de aceitar que a Internet é doravante uma parte do processo económico enquanto ferramenta promocional e de colaboração, muito boa gente continuará a perder dinheiro – de uma forma ou de outra.

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  3. Gostei muito do texto. Muito mesmo.

    Moro em Manaus e aqui temos um problema grave com internet, nossa conexão é muito cara. Iso porque existe um problema logístico para que o sinal chegue até aqui e seja distribuído pelas operdoras.

    Acredito que o youtube funcione muito bem, assim como o twitter. No entanto, ainda estamos aprendendo a utilizar essas ferramentas. Quem coloca um vídeo no youtube, e quer que ele seja visualizado, também possui um blog ou um site no qual puxa esse material e o evidencia. Os profissionais de comunicação que sobem vídeos pro site não esperam tirar dinheiro dele, querem ser visualizados.

    Ninguém pode esquecer que a internet é um veículo de informação e comunicação individualizado, cada um faz sua trilha e busca o que quer. Portanto, o número de visualizações para determinados vídeos pode ser pequeno, mas mesmo assim ter alcançado seu objetivo final – possibilitar a pessoas de diferentes locais a visualização de um material audiovisual pela internet.

    Parabéns Dória!

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    1. @Danilo Egle

      Obrigado, Danilo!

      abs

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  4. E agora faz parte da cultura popular. Não há quase como negar

    Sem dúvidas. Vídeos de tecnobrega ou funk muitas vezes superam os de MPB ou rock nacional em popularidade.

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  5. Creio que você está correto quanto à impossibilidade de evitar a internet Miguel, mas todavia acredito na moralização da web, ou seja.. a eliminação da pirataria (Código penal) ou dos danos (código civil), a consciência dos usuários etc… não é difícil, já aprendemos a ter ética entre blogs e exigir uma conduta e repudiar quem por exemplo, cita sem fontes, mas isso não acontece com sites e blogs de downloads, muito buscados e quiçá, os mais buscados.

    Temo que essa ambição de conseguir tudo de graça acabe gerando uma crise, afinal, foi bem a ambição de agregar valor onde não havia que gerou a bolha.

    O que ninguém quer, e nem eu quero, é o governo metendo o nariz aqui… então vai ser um processo lento e demorado para educar, e vai ser natural, não há nada ilegal ou imoral no streaming das rádios do itunes por exemplo, ou do last.fm mas apesar de ser um grande fã do grooveshark, tenho medo que ele rode nessa. É bem sério, mas há de se dividir consumidores de – não gostaria de usar o termo – ladrões.

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  6. Tiago, parabéns pelo site.

    Gosto muito das suas recomendações de livros. Graças às suas dicas, conheci o “Culto do Amador” e “Free”.

    Fiquei curioso com esse livro do Youtube. Vou dar uma olhada.

    Grande abraço,

    Walter

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    1. @Walter Capanema

      Obrigado, Walter.
      O YouTube e a Revolução Digital é bem interessante também.

      abs

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  7. […] Veja também: O que o YouTube está matando […]

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  8. […] dia em “O que o YouTube está matando” comentei sobre o livro “YouTube e a Revolução Digital“, recém-lançado no […]

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  9. Caro Tiago:

    Parabéns pelo seu texto. Concordo com você quando diz que Youtube é participação, expressão. Pra mim, a cultura participativa é a característica principal, não só do Youtube mas do que se tem chamado de Web 2.0. Desde então a Internet não pode mais só ser vista como uma plataforma de negócios (consumo, marketing, propaganda, vendas, etc) ou mais uma mídia que pode ser comparada à televisão, ao rádio, por mais interativos que contemporaneamente possam ser. O que se observa fundamentalmente são mudanças de comportamento, de paradigmas que estão, por sua vez, provocando profundas e complexas transformações culturais. É uma questão antropológica, antes de mais nada. Sob esse aspecto, na minha opinião, grande parte da literatura disponível atualmente peca, já que sua análise vai sempre no sentido de ver a Internet como plataforma midiática, onde as relações de emissão e recepção são completamente diferentes das construídas na Web 2.0. Apesar dos méritos que o livro de Burgess e Green tem, acho que cometeu o mesmo pecado. E isto é, neste caso, decepcionante, pois Green é discípulo do que é pra mim uma das melhores exceções dessa visão restritiva, o Henry Jenkins. Ah, além disso está bem mal traduzido e um tanto descuidado editorialmente.

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  10. […] “YouTube e a Revolução Digital”, de Jean Burgess e Joshua Green Como a possibilidade de poder embutir um vídeo mudou o mercado? E o papel do YouTube é criar relacionamentos ou meramente ser uma plataforma de distribuição? O site de vídeos está no mercado de plataformas de mídia ou de redes sociais? São algumas das perguntas que tentam ser respondidas no livro que, por meio de uma linguagem mais acadêmcia, faz uma análise da história do YouTube. […]

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  11. Charles: a pirataria dá muito dinheiro, por isso ela nunca acabará. Os proprios fabricantes ganham com isso, evitando suas perdas… uma espécie de recapitalização. A pirataria virou uma cultura de povos ditos em desenvolvimento,

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