Murdoch para leigos

Rupert Murdoch

“Eu sou Rupert Murdoch, o tirano bilionário”, com essa frase Rupert Murdoch abriu a sua participação no desenho Simpsons, galinha dos ovos de ouro da sua emissora, a Fox. A frase foi proferida pelo próprio Murdoch. E até hoje, Matt Groening, criador do Simpsons, não entende como um cara considerado tão retrógrado como Murdoch tem o controle supremo sobre o desenho.

Anti-intelectual e “outsider” são duas características que, a meu ver, melhor ajudam a entender Rupert Murdoch. Servem inclusive para justificar as suas ações tomadas durante os bastidores da compra da Dow Jones, empresa que administra o Wall Street Journal, e é o eixo central do livro “O Dono da Mídia“, de Michael Wolff, colunista da Vanity Fair, e que ganhou uma versão traduzida no Brasil.

Murdoch nos SimpsonsA compra da Dow Jones em 2007 foi uma das ações mais ‘murdochianas” de toda a História. Mistura de fofocas, uso da rede de contatos ao máximo, um pouco de cinismo, além de altas doses da falta crônica de paciência de Murdoch.

Ao lado de Donald Trump e Ted Turner (CNN), Murdoch é resultado direto dos anos 80. É o típico empresário de mídia resultante daquela época, meio John Wayne (pé no chão, faz tudo sozinho, machão, anti-intelectual). É o contrário de empresários como Bill Gates, Sergey Brin e Larry Page, entre outros, que viriam com o crescimento do Vale do Silício.

A história de Murdoch começa nos anos 50, ainda na Austrália, sua terra natal, quando dá seguimento ao negócio de seu pai, que, claro, é  jornal. Contudo, o grande momento climático de Murdoch se dá entre 1980 e 1990, quando começa a construção de seu feudo. Feudo mesmo, pois, segundo Murdoch, jornalismo em geral é algo em si feudal. É herdar a propriedade e todos seus trabalhadores. Jornais têm a ver com uso de autoridade. Não têm segredo. Não podem ser modestos.

O caráter “pé no chão”, não visionário, se reflete em vários momentos de sua carreira. Ao lado de Steve Ross, da Time Warner, foi ele quem colocou em prática o conceito de mídia global e multiplataforma, ao misturar debaixo do mesmo chapéu impresso, TVs, internet, mas não fez isso por uma questão de visão, mas sim por puro pragmatismo, pela necessidade de fluxo constante de caixa.

newyorkpostÉ pelo fato de ser um australiano em Londres que nasce o seu caráter “outsider” nos anos 60. O forasteiro que tenta ser aceito e enfrenta as dificuldades para ser levado a sério por uma elite local (e esnobe, na sua visão).

Segundo Wolff, é a partir dessa dificuldade de ser aceito, revestida de rejeição que a manutenção dos tabloides foi a sua marca de provocar todo dia esse establishment britânico. “Provoque o establishment e ele lhe dará ouvidos”.

O mesmo acontece quando parte para os EUA nos 70. O seu habitat natural, portanto, torna-se ficar do lado de fora. Isso justifica, em parte, por que a imprensa nos EUA trata Murdoch quase sempre de forma negativa, como um lobo mau. Murdoch não gosta da imprensa americana. Acha que ela é  intelectual demais, fria, objetiva, fechada, uma panelinha. No final das contas, Murdoch não gosta deles e nem eles gostam dele.

O Dono da Mídia” é um livro detalhista, pede uma leitura atenta em alguns momentos, devido à quantidade de nomes e datas que Wolff cita. O colunista levou um ano para concluir o livro. Somente com Murdoch consumiu mais de 50 horas de entrevistas.

A meu ver, a partir do livro dá até para montar um “Dicionário de Murdoch”. No vocabulário do magnata, por exemplo, tabloide significa urgência, eficiência, compressão e emoção. Ou seja, está muito longe da conotação americana, que associa o termo a notícias falsas e fofocas de celebridades.

donodamidia_capaPela leitura do livro, passei a entender melhor as declarações públicas de Murdoch. É, antes de tudo, um instrumento para irritar um grupo de pessoas, a tal “elite intelectual” que tanto o excluiu ou ainda o exclui. Não é à toa que, até hoje, Murdoch não se sente à vontade em eventos badalados e mais pensantes, como o Fórum Econômico Mundial.

Ao longo dos anos, Murdoch acabou se assumindo como o anti-intelectual do jornalismo. Ele não gosta de “teóricos”, pois  a maioria faz parte desse establishment que tanto o rejeitou.

Para ele, jornalismo é algo direto e cru. Não tem muito o que teorizar (o jornalista ideal para Murdoch é Steve Dunleavy, ex-colunista do tabloide New York Post, que durante 55 anos dividiu sua vida entre o jornal e o bar. Era um “operário da informação” antes de tudo).

Se a “intelligentsia do jornalismo” acha que os jornais devem derrubar o paredão de conteúdo pago, Murdoch afirma que vai começar a cobrar pelo acesso aos sites de seus jornais. Se acredita que as chamadas “velhas mídias” não abriram os olhos para as “novas mídias”, ele vai e compra a MySpace. Se acha que o Google é mais amigo do que inimigo, ele afirma que a empresa de busca rouba conteúdo de seus jornais.

Em suma, suas declarações não deixam de ser um recado para o mercado, mas são mais para marcar território, fazer contraponto, ser o que ele sempre foi, o cara de fora, além de brincar com os brios da “intelligentsia do jornalismo”, que, a cada declaração de Murdoch, logo corre para os seus perfis no Twitter e blogs para escrever mensagens e textos inflamados contra a sua pessoa.

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Quem espera uma biografia completa de Murdoch, o livro de Wolff é um pouco decepcionante. “O Dono da Mídia” é, antes de tudo, sobre o Murdoch homem de negócios. A sua vida familiar é citada diversas vezes, contudo mais para justificar e explicar decisões tomadas em sua vida profissional.

Em 1999, por exemplo, o casamento com a sua terceira esposa, a chinesa Wendi Deng (foto acima), 40 anos mais nova, fez aumentar o seu interesse por investir na China. Tanto que Wendi foi convidada a gerenciar a filial da MySpace em território chinês.

Por isso que, para mim, o livro, às vezes, não é tanto sobre Murdoch, mas sobre uma época em que os jornais finalmente passaram a ser vistos como negócio por Wall Street.

É também sobre um estilo de gerenciar e criar grandes impérios de mídia, no qual uma aquisição abre caminho para fazer outra aquisição maior, em que o lema da indústria é ” faça um negócio, qualquer negócio”. E, acima de tudo, no qual jornalista é apenas um “operário da informação” e ponto final.

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Como são os melhores jornais do mundo

8 respostas para “Murdoch para leigos”.

  1. […] Enquanto a ideia de que jornais devem abrir o seu conteúdo é quase consenso, uma vez mais, o empresário mantém a sua posição de ser o “cara de fora“. […]

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  2. […] Rupert Murdoch, diretor geral da NewsCorp (Fox, MySpace, WSJ entre outros), está muito longe de ser um “dinossauro que não entende nada de internet”. […]

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  3. […] subsídio para o jornalismo daqui para frente. Esse é o ponto principal que difere a visão de Rupert Murdoch da visão da Google sobre o futuro das empresas de […]

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  4. […] Dono da Mídia, de Michael Wolff Para que se interessa por jornalismo, ou melhor, gestão na área de mídia, conhecer os detalhes da história de Rupert Murdoch é imprescindível. Ao apresentar a biografia sobre o empresário, Wolff faz o retrato de uma época em que os jornais finalmente passaram a ser vistos como negócio por Wall Street. É também sobre um estilo de gerenciar grandes grupos de mídia, no qual uma aquisição abre caminho para fazer outra aquisição. […]

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  5. […] a razão do WSJ entrar no mercado do NYTimes é menos simples. Um pouco de questão comercial, mas principalmente pessoal. Rupert Murdoch, diretor da NewsCorp, que controla o WSJ, quer acertar as contas com a “elite […]

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  6. […] um efeito dominó a ser seguido pelo resto da indústria local. Outro movimento aguardado é o de Murdoch, que vem dando sinais de que pode implantar o modelo do wsj.com em todos os outros jornais de seu […]

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  7. […] Ou seja, para mim, Mark Zuckerberg é bem mais um Alexander Graham Bell do que um Rupert Murdoch dos tempos […]

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