Semana da busca do Santo Graal

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Confesso a vocês, essa semana foi bem entediante para quem acompanha a área de mídia e tecnologia. Tudo por causa de uma série de artigos sobre como os “jornais impressos devem ser salvos”.

A discussão aumentou principalmente por que a crise econômica mundial acentuou a da indústria de jornal impresso. Entraram em cena diversos articulistas tentando achar o Santo Graal, a salvação, dos jornais impressos. Apareceu de tudo.

Desde Walter Isaacson, em matéria de capa da revista Time, defendendo o sistema de micropagamento (o mesmo utilizado no iTunes), que já foi discutido e descartado milhões de vezes no passado, passando por Steven Brill, no The New York Times, a favor da volta do conteúdo pago, modelo também experimentado, antes e pós-bolha da internet, sem resultados satisfatórios.

Até chegar ao Kindle, o leitor de ebooks da Amazon, que foi cogitado como salvação para os jornais. Como se um gadget, ainda em caráter de experimento e utilizado por uma parte pequena do mercado, pudesse, de uma hora para outra, salvar empresas de jornais impressos dos efeitos de anos de má administração.

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Percebe-se que é um tipo de debate que, na maioria das vezes, gira em círculos, cai um pouco no desespero e que ainda não existe no Brasil por vários motivos.

Primeiro, por que o Brasil é um país emergente, tem uma nova classe média e, por isso, vê os índices de circulação dos jornais aumentarem (em 2008, houve um crescimento de 5%).

Portanto, não dá para tratar o que está acontecendo nos EUA e parte da Europa como regra para todos os países.

Aproveito para fazer várias críticas a essa enxurrada semanal de artigos:

1) Em sua maioria, tratam os jornais impressos como se sempre fossem um negócio lucrativo e que, de repente, foram afetados pela internet. Como se antes não existisse uma crescente crise ou perda de lucros. Existem jornais impressos que passaram a vida inteira no vermelho e até hoje não dão lucro, quando dão, é em uma margem muito pequena. O jornalista e historiador Matías Molina aborda muito bem essa questão em seu livro Os melhores jornais do mundo.

Jornais impressos nunca foram máquinas de fazer dinheiro, mas uma forma de ganhar poder e influência. Quem comprou jornal para ganhar dinheiro quebrou a cara. Portanto, culpar a internet é esquecer o passado. Ela não foi a causadora dessa crise, mas pode ser o ponto final. Essa crise é mais resultado de anos de má administração (falta de investimento em pesquisa e inovação) e efeito de um negócio que nunca foi muito lucrativo mesmo.

2) O modelo do iTunes (de micropagamentos) é exceção e não regra no mercado. Não é por que ele deu certo no mercado de música e voltado para um certo público que vai servir para outros mercados, como o de consumo de notícias.

Além do mais, fechar o acesso em seus sites (para poder cobrar por conteúdo) pode ser muito negativo para os jornais de noticiário mais generalista.

Em tempos de SEO, ficar fora dos resultados de busca é quase suicídio. Representa uma perda grande de tráfego, visibilidade e, a longo prazo, relevância.

3) A culpa da queda do jornal impresso não é dos leitores. Em artigo na Time, Isaacson dá entender que a culpa é dos leitores que, hoje em dia, querem o noticiário de graça. Se existe culpado nessa crise, não é o leitor.

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Neste sentido, um dos melhores artigos da semana vem do escritor polonês Henryk A. Kowalczyk. Segundo ele o que está morrendo nestes países é o jornal impresso, ou melhor, o uso do jornal-papel como suporte/dispositivo para entrega das informações, e não o jornalismo em si.

O que vai ao encontro de um artigo do NYTimes, também desta semana, que conclui que de todas as mídias e ao contrário do impresso, a que está sendo menos afetada negativamente pela internet é a TV (diferente do jornal impresso, nas emissoras o online está sendo visto como um complemento da TV e não um competidor). Portanto, a crise é mais focada na mídia impressa.

Kowalczyk aborda que a atividade social de reportar, apurar informações, contextualizar e torná-las mais legíveis para um público sempre estará viva. Enquanto existir uma demanda por esse tipo de informação, mais apurada, legível e organizada, sempre vai existir a atividade de jornalista.

Eu sei que as conclusões do artigo de Kowalczyk são óbvias, mas, em uma semana de tanto “achismo”, ele se destaca.

Semana que vem promete ter mais.

Crédito das fotos: Leslie Duss e John pastor

22 respostas para “Semana da busca do Santo Graal”.

  1. Tiago,

    um detalhe que não dá pra deixar passar nessa discussão toda: se a operação on-line do Los Angeles Times já se paga e dá lucro, é por aí que temos de começar o estudo.

    abs

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  2. @Alec Duarte

    Eu tenho um pouco o pé atrás nessa história do Los Angeles Times.

    Antes, eles cortaram uma boa parte da redação. http://noticias.uol.com.br/ultnot/economia/2008/07/03/ult35u60669.jhtm

    E se vc quer investir na operação online pra valer, vc tem contratar, tem custos a mais. Quando o Granado esteve no Brasil, a gente conversou justamente sobre isso. Até pela experiência dele no Público. Se vc quer investir no online, vc não tem economia, mas custos a mais.

    Não é à toa que o site do Los Angeles Times é bem fraco.

    Acho que o grande desafio é dar lucro, mas sem fazer cortes prejudicando a qualidade do produto.

    abs

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  3. Uma semana de muito achismo mesmo…. achei o artigo da Time uma pérola digna de entrar para a história do jornalismo.

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    1. @Luisa

      Acredito que teremos mais artigos sobre o assunto. Alguns bons, outros ruins. O assunto está gerando interesse.

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  4. Muito interessante. Os jornais sempre usam a internet como muleta e desculpa, enquanto o erro é antigo.

    []`s

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    1. @Marcelo Pinheiro

      Acredito que a crise seja resultado de um processo antigo, alguns jornais têm dívidas que se acumulam desde a sua fundação. Sempre foi um negócio caro perto do lucro financeiro que gera.

      abs

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  5. Sobre a TV, creio que não está sentindo, ainda. Talvez não sinta tanto, porque deverá se adaptar bem na próxima década (no Brasil) com a convergência entre TV digital, Celular e Computador.
    Sobre o jornal, em papel, há mais de quinze anos li que um dia deveria acabar, ainda não acabou, mas creio que não vá longe. Embora alguns já tenham argumentado que as pessoas preferem sentir o papel nos seus dedos do que ler um livro, revista ou jornal no computador (o que eu particularmente também prefiro), mas se esqueceram de que novas pessoas nascem a cada dia e elas não tem as mesmas manias que nós, sem considerar que o computador também deverá mudar muito nos próximos anos. Esse computador desktop (topo da escrivaninha) deverá desaparecer ou mudar de função (como gerenciador da casa, por exemplo, a dita domótica). Além disso, há de se pensar no meio ambiente também, que cada vez será mais considerado.
    O jornal impresso era o bem de consumo mais perecível que se podia vender há algum tempo, pois durava no máximo umas doze horas, hoje com a Internet as coisas mudaram muito, porque as notícias “novas” do jornal de amanhã são as notícias já velhas de hoje. A televisão também já sentiu um pouco isto, vide o Globo Notícias no meio da tarde, porque as notícias que o Jornal Nacional noticia já são velhas para quem tem acesso a Internet.
    Além do mais, os jornais impressos ou televisivos normalmente tendem a pender (cada vez mais descaradamente) para a direita, politicamente falando (vide revista Veja), e isto acaba irritando as pessoas mais críticas.
    Com a Internet, MP3, MP4, Celular etc. o rádio que toca música (FM) também está acabando, mas já migrou ou está migrando para a Internet, o que talvez lhe garanta uma vida útil de alguns anos ainda.
    Resultado, os jornais se quiserem continuar existindo terão que ir para a Internet ou acabar. Isto é inevitável, afinal a Era de Aquário está aí…

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    1. @Fabian

      Um dos aspectos prováveis é que ele não vai acabar. Mas inverter o processo. Por muito tempo, o jornal impresso sustentou a internet. Agora será a internet que vai sustentar o impresso. Nisso, a internet passa a ter muito mais peso dentro do modelo de negócios dessas empresas, passa a ser a célula central dessas organizações de mídia.

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  6. […] 17, 2009 Tiago Dória comments on the sterile debate about print media in the US. Against the commonsense belief that the demise […]

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  7. Tiago,

    Tenho escrito sobre esse mesmo assunto desde o ano passado. Seu texto é um dos mais sensatos até agora. De fato, a confusão entre jornal impresso e jornalismo chega a ser chocante. É coisa de gente que 1) acha televisão, rádio e Web “jornalismo menor” ou 2) não parou para pensar no assunto.

    Meus textos estão aqui:

    http://trasel.com.br/blog/?p=18

    http://trasel.com.br/blog/?p=72

    Ao contrário de você, acredito muito nos micropagamentos como solução. Porém, falta encontrar uma forma simples de permitir esses micropagamentos. Tem de ser tão fácil quanto clicar num link. E, claro, um webjornal esperto vai cobrar apenas pelo conteúdo ORIGINAL, não pelas notícias que recebem de agências.

    Creio inclusive que isso poderia melhorar um pouco o jornalismo. Não precisamos mais que todos os jornais cubram todos os assuntos, como é até hoje. As próprias agências poderiam vender material generalista direto ao leitor.

    Enfim, você deve ter percebido que eu já estou contando com a breve morte do jornal em papel em todas essas minhas propostas.

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  8. Tiago, excelente esse texto. Também acho, com o Träsel, que o sistema de micropagamentos não pode ser descartado (embora odeie a idéia) e penso que, em relação aos menaismos de busca, sempre há a possibildiade de liberar parte dos artigos, ou criar um sistema como o odioso do Scielo, que nos leva a links de páginas sobre certos artigos, mas não dá acesso ao conteúdo dos tais artigos…

    Não creio no fim do jornal impresso. Acredito no fim dos atuais jornais impressos. Haverá mecanismos de leitura amigáveis para os textos dos jornais, e, como hoje, quem quiser manter um registro do que leu poderá imprimir o negócio (o que, diga-se de passagem, custa muito mais caro que o jornal que hoje nos suja as mãos).

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    1. Obrigado, Sergio. Também não acredito que o jornal impresso vai sumir, talvez vire algo mais de nicho. Ou algo bem mais cutomizado, você imprime apenas o que vai ler.

      Abs,

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  9. […] meio à cansativa discussão sobre o fim dos jornais, o mesmo grupo responsável pela revista Forbes lançou uma nova publicação, a FlipGloss, uma […]

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  10. Vejamos o exemplo do vetusto e ao mesmo tempo moderno NYT para entender como, dento de uma mesma empresa, há ‘n’ visões sobre futuro do jornalismo. A discussão muitas vezes ainda passa pelo embate digital x impresso como se fossem empreendimentos distintos. O empreendimento é o mesmo – satisfazer o leitor. Apenas as plataformas mudam e com isso alguns atributos – va lá, muitos atributos 🙂

    Mas voltando ao ‘trend setter’ NYT. Um grupo lá dentro lança lab, promove hack day, derruba assinatura, libera API.

    Imagino q outro grupo pressione por micro pagamentos, lute para restringir ‘furos’ à edição impressa e lance serviços como o q se propõe a levar para a web a experiência de se ler a edição dominical espalhada sobre a mesa.

    http://prototype.nytimes.com/gst/articleSkimmer/

    Para mim, isso é só uma página que ignora qualquer lei de usabilidade, sem pontos q capturem o olhar e q ainda foge de desafios como inserir anúncios. Tosco!

    Quanta bala na agulha! Qtos tiros os caras dão!

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    1. @Java

      Sim, Java, os caras estão atirando para todo lado, uma hora acerta. Essa postura é justificada, eles são “trend setters” portanto tem uma “obrigação” de sair na frente.
      Entre essas tentativas, surgem coisas boas e outras ruins como o Article Skimmer, que também não gostei muito (mas achei interessante a opção de usar os atalhos do teclado).

      abs

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  11. […] Fronteiras envolvendo atletas do Brasil, Colômbia e Peru (…)“. Santo Graal — Tiago Dória, também com indicação do Idélber, escreve um post sobre os posts da semana que falaram da crise […]

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  12. […] Veja também: Semana da busca do Santo Graal […]

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  13. […] resumo, pelo que percebi Schmidt (foto acima) não apresentou nenhuma solução concreta para a crise nos jornais. Sua apresentação não trouxe novidades, mas, nas entrelinhas, deixou a sua visão e como […]

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  14. […] do encerramento das operações ter acontecido no palco da atual crise da mídia impressa, semelhante à maioria dos jornais que estão fechando as suas redações, a Gazeta arrastava […]

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  15. Avatar de Ronaldo Lenoir
    Ronaldo Lenoir

    Tiago, é certo que a circulação vem aumentando no Brasil, mas creio que isso se deve ao avanço dos jornais populares. Se você verificar os números dos jornais tradicionais, perceberá que ocorre uma queda contínua nas vendas em bancas ou assinaturas.

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  16. […] experimento é válido, mas espero que não tratem isso como a “salvação da mídia impressa” (mais uma) e nem que a experiência lembre a de visitar aqueles sites que, logo quando você […]

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  17. […] Veja também: Semana da busca do Santo Graal […]

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