O mundo sofreu um infarto

Na segunda-feira, participei da transmissão interativa do Roda Viva. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo foi o entrevistado e o assunto, a crise econômica.

No final de semana, acompanhei a POP!Tech e a crise entrou em pauta também, mas com um enfoque diferente do abordado no Roda Viva.

Ao acompanhar as apresentações deste ano da conferência, deu para perceber que existe uma visão positiva em relação à crise financeira pela qual o mundo está passando.

Para o biólogo e especialista em economia do conhecimento Juan Enriquez, é um momento de voltar à realidade e repensar o quanto estamos gastando mais do que podemos. Para Saul Griffith, criador do divertido Instructables e 1º palestrante, é hora de revermos o nosso estilo de vida e de consumo.

Na visão dos debatedores da Pop!Tech não seria apenas uma crise global bancária e financeira, mas também cultural. De uma cultura de consumir mais do que precisamos, de explorar o planeta mais do que ele pode nos servir, forçar os nossos corpos e mentes mais do que podem aguentar. De mais especular do que ser prático.

Seria como se o mundo tivesse sofrido um infarto. Sobrevivemos e estamos naquele momento de avaliarmos o que precisamos melhorar para buscar o equilíbrio, um estilo mais sustentável e saudável e evitar os abusos ou descuidos anteriores, um momento positivo de reflexão.

Entendo essa visão do pessoal da Pop!Tech, mas acredito que ainda não exista essa dimensão cultural e humana tão grande, muito além da marolinha, em relação à crise. Pelo menos, que seja perceptível.

[Ontem, na Futurecom, o presidente da Vivo disse que a crise pode ser um momento de ruptura com a sociedade industrial]

Em relação à crise e à POP!Tech, outras coisas ficam mais evidentes. Em tempos de escassez de recursos materiais e realocação de investimentos, existe uma demanda maior por projetos de tecnologia que tenham relevância social e humana e trabalhem com o lado prático da tecnologia.

Tecnologia que resolva problemas imediatos e seja prática para mim, para o meu vizinho, para a minha mãe, para o cara que trabalha ao meu lado e para os meus filhos.

Serviços apresentados durante a POP!Tech são bem emblemáticos neste sentido. Todos ligados à biologia e à medicina, áreas que, por sinal, estão anos à frente da comunicação em matéria de pesquisa científica, e em que empresas como IBM e Nokia estão ávidas por projetos.

Pode demorar um pouco, mas com o cenário atual, não me arrisco a dizer que o “próximo Google” vai sair de algum projeto/tese/pesquisa vinda dessas áreas. Os projetos citados na POP!Tech são:

1) O Hello Health, um programa de saúde em que você paga uma taxa mensal e tem direito a consultas 24horas/7dias via email, IM, webcam ou mensagens de texto pelo celular. Além disso, conta com prontuários online que podem ser acessados de qualquer lugar.

O Hello Health parte do pressuposto de que muitos tratamentos médicos não dão certo por causa da comunicação entre médico e paciente ser muito fria e esporádica.

2) O outro é o PharmaSecure, um site/programa baseado em dispositivos móveis que permitirá a médicos e pacientes verificarem a veracidade de um medicamento. A ONU estima que de 10 a 30% dos remédios vendidos no mercado são falsos – sabe aquela pílula contra gravidez feita de farinha?

É a típica tecnologia que será boa para ambos os lados. Resolverá o problema da indústria, que perde US$ 50 bi/ano com falsos medicamentos, e dos pacientes – uma das grandes causas de mortes ainda é o uso de falsos remédios.

3) E ainda a Needle-Free Vaccine, desenvolvida pela empresa Intercell. São vacinas sem seringas ou agulhas. É uma espécie de colante.

E a idéia, mais para frente, é que todo o seu histórico de vacinação fique arquivado na web e possa ser acessado de qualquer lugar a qualquer hora.

Efeito mais imediato e menos risco de infecção, custo menor de transporte das vacinas e menos possibilidade que o medicamento estrague.

Acredito que projetos como esses serão mais comuns. O mundo está precisando bem mais de projetos que realmente tenham relevância social e humana do que mais uma bugiganga para testar na web.

Em tempos de crise, busca-se o mais econômico, o mais prático. O que faça mais por menos e de forma mais eficiente. É também nessa época que começam a surgir as grandes inovações, as coisas mais simples passam a ter mais valor e o lado mais prático das tecnologias fica mais evidente.

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13 respostas para “O mundo sofreu um infarto”.

  1. Eu acho o comentário do Roberto Lima muito interessante e pertinente ao assunto.
    A metamorfose cultural, intelectual e industrial como ele mesmo citou, tem uma parcela significativa no momento de turbulência.
    Passamos para um estágio de informação, construção e participação ativa, e isso, com certeza geraria incertezas e inseguranças.

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  2. @Tiago Moralles

    Também gostei bastante do comentário dele. É bom um executivo demonstrar essa visão. Só não sei se existiria um momento exato para essa ruptura.

    abs

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  3. Eu também acho que há um excesso de empresas 2.o sem muita função. E o pior estavam sendo criadas, mais e mais somente pensando na questão financeira e em números. É preciso como aquele produto ou serviço é relevante para o público.

    Esse projeto de arquivar o número de vacinas recebidas e disponibilizá-la on line é útil e viável. Principalmente, para pessoas que viajam bastante.

    Parabéns, excelente post.

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  4. Parabéns pelo post!
    Gosto mais de posts assim, para pensar.

    Um abração

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  5. Olá Tiago,
    tem certeza que o Juan Enriquez é economista? Achei que fosse biologo.
    abs

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  6. @Jorge

    Opa, sim ele é biológo, mas sempre me confundo, afinal ele sempre fala e analisa a economia.

    Dei uma corrigida no texto, obrigado!

    abs

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  7. Com certeza trata-se de uma crise cultural. O planeta está completamente desequilibrado. Não há limites para nada. E o homem, até quando será capaz de lidar com tudo isso. A vida é simples, mas, infelizmente, nós gostamos de complicá-la. Não há efeito sem causa. Aquilo que plantarmos, colheremos.

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  8. Belo post, mas tenho algumas resalvas…

    Toda essa crise é passageira e cíclica. Os interesses do capital financeiro não irão diminuir o ritmo especulativo das jogatinas. Bastar ver que apesar de toda a crise o movimento no conjunto do mercado financeiro não diminuiu.

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  9. Super interessante, agora vamos e convenhamos: 1) banqueiros (principalmente que são eles que mandam no mundo) jogam p/ perder ? 2) Sim, realmente estamos tendo “um balançê-te” mundial, mas há muitos povos dos paises pobres e emergentes que não tem infarto, morrem literalmente: – de fome, falta saneamento, educação, saúde, transporte, segurança, etc. e etc., é aquela velha história …, que já estamos cansados de saber, então como é que ficamos ? quando é que vamos distribuir a renda ? o bolo já derramou fora do tabuleiro e de há muito tempo, por excesso de “fermento” , e não é distribuido o que sobrou, que derramou, tatata , tatata … ; vamos pesar positivo apesar de tudo, o importante é que a nossa emoção sobreviva, pois como dizia João Guimarães Rosa , “a gente não morre , encanta ” ; vamos dar as mãos numa roda, junto com a Lia de Itamaracá, para cantarmos aquela ciranda da nossa infância, que não volta mais, ofertando rosas para os que estão dentro e fora da roda …, abraços fraternais.

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  10. Em tempos de crise, até a mais pífea função trabalhista, como os comunicadores, apresentam avanços, alternativas e soluções.

    Toma-se como exemplo o ´boom´ na qualidade publicitária argentina – que muitos discutem tratar-se de uma resposta aos tempos de crise, onde se arrisca, já que a mediocridade se valida deficitária.

    O tempo é da informação, da quebra de barreiras e, por conta disto, da necessidade de autonomia do indivíduo, muito bem dito! Vivemos uma analogia pitoresca ao samsara hindu – seria o próximo passo previsto à humanidade aquele que romperá com o ciclo infinito de não vida, o encontro da identidade juntamente a verdadeira percepção do todo?

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