
“Há uma nova geração usando a escrita para se comunicar”
Foto: Ieve Holthausen
A Carol Bensimon, 25 anos, é daquelas garotas que começou com o pé direito em sua profissão [de escritora] e teve o seu trabalho potencializado e construído junto com a rede.
Desde antes de 2004, é a autora do blog Kevin Arnold para Dois, onde publica diversos textos próprios e conta com um público fiel.
Em um crescendo constante, nestes anos, recebeu convites para escrever contos em diversas publicações, como a revista Bravo! e o jornal Zero Hora, até que chegou a hora [em junho deste ano] de publicar o seu primeiro livro, o Pó de Parede.
É apenas o começo. Na entrevista que fiz com a Bensimon e que segue abaixo, além de falar sobre tecnologia e literatura, ela conta que já está preparando mais um livro, o romance Sinuca embaixo d`àgua.
O Pó de Parede, que acaba de sair do forno [da gráfica], reúne três pequenas histórias que estão dentro do mesmo escopo. Uma amizade de garotas com personalidades diferentes, a chegada do “progresso” em uma pequena cidade e o início de carreira de uma jovem escritora.
É uma leitura leve, tem um ritmo gostoso. Li em apenas um dia. Não tem como não se identificar com alguns ambientes, situações e personagens. Uma das histórias se passa entre 1991 e 2007.
E, em todo livro, Bensimon trabalha com situações universais vividas por jovens – amores não tão bem correspondidos, convivência com pessoas de temperamentos diferentes, os contratempos do início de uma carreira profissional e a questão da morte quando ainda jovem.

“Pó de Parede já nasceu com um certo público-leitor, gente que lê o meu blog e gosta do meu estilo”
1 – Gostaria que você se apresentasse ao pessoal do blog :- )
Olá. Carol Bensimon, 25 anos, de Porto Alegre. Acabo de lançar meu primeiro livro, Pó de Parede, pela Não Editora. Antes, publiquei contos em antologias e periódicos, como Bravo!, Zero Hora e Ficções (7 letras). Já fui publicitária, mas hoje engreno uma carreira literária e acadêmica. O projeto do meu romance, Sinuca Embaixo d’Água, recebeu uma bolsa (R$ 30.000) da Funarte.
Mantenho, ainda que aos trancos, o blog Kevin Arnold para Dois.
Em razão do lançamento do Pó de Parede, tenho respondido muitas questões do tipo “você escreve desde quando” e “de onde vem sua inspiração”.
Agradeço ao Tiago Dória por ter me transportado para um universo de questões completamente diferentes, envolvendo literatura e tecnologia. Foi duro, mas um prazer respondê-las. Vamos a elas.
(reação deste blogueiro = obrigado a você! 😉 )

Escrita para se comunicar. Foto: Tyla
2 – Com blogs e messengers, você acredita que as pessoas estão se comunicando mais pela escrita? Acredita que isso está influenciando na venda de livros?
Isso me lembra a palestra que assisti com a Beatriz Sarlo na semana passada, na qual ela dizia que, ao contrário do que muitos acreditam, a grande novidade das últimas décadas, ou mesmo dos últimos cem anos, não é a imagem, mas sim a difusão da palavra escrita.
E completou afirmando que a Internet no fundo é isso, uma quantidade gigantesca de texto. Bem, estejamos de acordo ou em desacordo com o que pensa a Beatriz Sarlo, não é possível negar que há toda uma nova geração fazendo uso da escrita para se comunicar.
Mas, se isso faz, ou fará, com que se interessem mais pela literatura, acho que é bem difícil de medir. Porque (ok, é um raciocínio óbvio, mas vamos lá) literatura se faz com escrita, mas nem toda escrita gera, ou tem por objetivo gerar, literatura.
Agora, no sentido de possibilitar uma troca, isso sim, acho que faz diferença, tanto para quem escreve (que pode “testar” o seu estilo e os seus textos nos blogs, por exemplo), quanto para quem lê (que pode ter acesso a coisas que não vão chegar, ou ainda não chegaram, na grande mídia).

Literatura no iPod e onde mais puder
3 – Recentemente na Flip, o escritor Marcelo Barbão falou que a literatura está seguindo o mesmo caminho da música, se desligando, cada vez mais, de formatos [CDs, MP3, vinil] para “se tornar algo livre”. O que importa é o conteúdo.
Você compartilha dessa idéia? A literatura está realmente se desligando de formatos, a fim de se tornar onipresente, num celular, num livro, num blog?
Hm, vejamos… tenho medo de soar como uma daquelas pessoas que começa todas as suas respostas com um esperto “desde a Grécia Antiga…”, mas vou ter que discordar dizendo algo parecido, do tipo: antes de existir o livro, já existia literatura em histórias que eram contadas oralmente, e no século XIX havia os folhetins, enfim, acho que é natural que os suportes se alterem com o tempo, embora eu não ache que o livro vai acabar, ou pelo menos não a médio prazo.
De qualquer maneira, que o livro acabe ou não, a literatura seguirá, mesmo que sempre haja alguém para dizer o contrário.
É engraçado, por exemplo, que o cinema seja visto como inimigo da literatura, no sentido de ser claramente o mais popular, e sobretudo entre os jovens, mas que, segundo o Peter Greenaway (de novo uma palestra, ano passado), algo como 70% ou 80% das maiores bilheterias do ano eram filmes baseados ou em livros ou em histórias em quadrinhos.
Quer dizer a literatura fornece um monte de boas (e rentáveis) histórias ao cinema.

Livro já está disponível para venda
4 – Você saiu de uma agência de publicidade para se dedicar ao trabalho de escritora, lançar seu primeiro livro. Pelo que percebo, diversas pessoas perto do meu círculo de contatos estão seguindo caminhos parecidos.
Estão saindo de seus empregos para montar seus próprios negócios – uma startup de internet, um blog, uma loja, um restaurante – enfim, para se dedicar ao que realmente gostam de fazer e de forma independente.
Nisso, muitos estão deixando aquele cobiçado emprego em uma grande empresa para se dedicar aos seus próprios negócios.
Você acredita que seja uma tendência de nossa geração tratar o bom trabalho como algo lúdico? Não ser tão workaholic, equilibrar melhor vida pessoal e profissional. Talvez influenciada por essa cultura de autonomia, empreendedorismo e “faça você mesmo” que existe na rede?
É, acho que as pessoas estão mais preocupadas do que antes em serem felizes nos seus empregos, mas talvez seja algo específico de um tipo de gente, porque muitos ainda têm aquele velho desejo de passar num concurso público e ter estabilidade para o resto da vida (e não há nada de errado nisso).
Especificamente no meu caso, o que aconteceu é que ficou insustentável conciliar a publicidade com a literatura. Eu não recebia um grande salário, mas podia ser o começo de uma carreira.
Em todo o caso, eu simplesmente sentia um mal-estar tão paralisante, que logo ficou claro que eu jamais seria uma boa publicitária (não gostava o suficiente), e muito menos uma boa escritora (não tinha tempo, nem condições psicológicas). Então eu saí, e logo comecei a dar aulas particulares de francês, o que fez com que eu me sentisse ótima.
E depois veio o mestrado de Escrita Criativa, na PUCRS (sou bolsista do CNPQ). Quer dizer que, com uma coisa aqui e outra ali, dá para se virar legal. E, o mais importante, agora tenho uma rotina completamente diferente, de montar meu horário e poder caminhar pelo bairro, ler ou escrever no parque, essas coisas.

O blog da Bensimon está desde 2004 na rede de blogs Insanus
5 – De que forma o seu blog, como ferramenta, ajudou em seu trabalho de escritora, de produzir o Pó de Parede?
Não só o blog, mas toda a Internet acabou sendo importante no meu processo de amadurecimento-literário. Conheci gente de outros estados, que também estavam escrevendo, houve uma certa troca, publiquei contos em revistas eletrônicas literárias, criei a rotina de escrever no blog e, a medida que se pratica, se aprende, até que chegou o ponto em que minha auto-exigência, que não é pouca, deixou passar esse pensamento: tá, agora escreve e publica o teu primeiro livro.
Também é interessante que o Pó de Parede já tenha nascido com um certo público-leitor, gente que me lê no blog e gosta do estilo do meu texto e/ou se identifica com uma certa visão de mundo que paira nos posts. Essas pessoas, portanto, sabem que o Pó de Parede é o tipo de coisa que eles tendem a gostar.

“Um livro é tão barato de se produzir”
Foto: Ieve Holthausen
6 – No livro, um dos personagens, o Carlo Bueno, começa a trabalhar com “marketing literário”, inserção de publicidade nos livros, num modelo parecido ao product placement.
Você acredita que esse seja um caminho para indústria de livros? Existem autores que trabalham com essa forma de marketing?
Foi algo que eu ouvi num podcast literário francês, e eles diziam que isso estava começando a acontecer nos Estados Unidos. Não sei que autores estão fazendo isso, mas um deles deve certamente ser o Stephen King. =)
Bom, piadas à parte, para isso ser realmente lucrativo para as editoras, creio que o livro precisa ser um best-seller arrasador. E não sei se o apelo de um “ele abriu uma coca-cola” é o mesmo de mostrar a coca-cola num filme.
De qualquer maneira, desconfio que a indústria de livros não precise disso, afinal, um livro é tão barato de se produzir. Mas é claro que posso estar sendo tremendamente ingênua.

Em setembro, um doutorado na França. Foto: Michelkuik
7 – Como estão os planos para o futuro? Soube que você embarca para a França em setembro para um doutorado.
Estou terminando a minha dissertação de mestrado, que defendo em início de setembro. Antes, vou a São Paulo e ao Rio lançar o Pó de Parede por lá, junto com outros autores da Não Editora.
Serão lançamentos coletivos, de todo o catálogo da Não (dia 9 de agosto na Mercearia São Pedro, São Paulo, e dia 11 na Livraria da Travessa de Ipanema, Rio). E a divulgação do livro deverá seguir por um bom tempo, mesmo à distância.
Em Paris, enquanto faço o doutorado, vou continuar trabalhando no meu romance, Sinuca Embaixo d’Água, que já tem uma primeira versão, mas precisa ser retrabalhado. E pretendo obviamente viver o clichê parisiense, do tipo ouvir jazz, passar fome e flanar.

Em produção: romance conta com “making of”
8 – Ah, você ainda vai terminar o Sinuca embaixo d’àgua. Pode adiantar como será o romance?
É, em função da bolsa que recebi da Funarte, eu tinha um prazo a ser cumprido: seis meses para escrever, apenas. Já entreguei pra eles essa primeira versão. Assim, cumprida toda a parte burocrática, tenho bastante tempo para dar uma afinada nas coisas (quero lançar em 2009), até achar de novo aquele ponto do esse-é-o-melhor-que-eu-posso-fazer-agora.
O Sinuca é um romance sobre uma ausência. Antônia morre num acidente de carro, e algumas pessoas tem que aprender a lidar com isso, cada uma a sua maneira.
A narração é alternada sobretudo entre três personagens (mas outros surgem no meio também): Bernardo, melhor amigo de Antônia, um tipo de nerd obsessivo-compulsivo que precisa achar alguma lógica no que aconteceu, e que por isso tenta reconstituir a noite do acidente.
Camilo, o irmão de Antônia, adorador de Guns n’ Roses, junkie, que monta e desmonta carros, e que nunca trabalhou um dia na vida. E Polaco, o dono do bar entre o Lago e a casa de Antônia e Camilo, que guarda uma história obscura envolvendo a pequena cidade onde nasceu, história que, em função da morte de Antônia, volta a assombrá-lo.
Para ler mais entrevistas, é só seguir a categoria entrevistas do blog.
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