Fim de uma era: The New York Times não é mais um jornal

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A intenção é ganhar mais distribuição e aumentar a sua audiência na rede

Nesta semana, Aron Pilhofer, editor de interatividade do The New York Times, confirmou uma decisão histórica e que, a longo prazo, vai influenciar outros jornais – o NYTimes vai liberar o acesso da sua API ainda neste ano.

Em linguagem bem simples, API é uma espécie de “receita e instruções” do site. A partir do acesso a ela, você pode criar qualquer ferramenta, serviço, gadget que tenha como base o conteúdo do jornal. Ou ainda cruzar livremente as notícias da publicação com outros dados e informações.

Com isso, o NYTimes deixa de ser apenas um jornal para se tornar uma plataforma programável de conteúdo, que já vem com o carimbo de uma grande marca [grife] do jornalismo.

Acredito que, mais cedo ou tarde, outros jornais seguirão o mesmo caminho. O NYTimes é “trendsetter” no mercado de notícias. E a agência Reuters já liberou a sua API.

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Laboratório de mídias: Michael Rogers, futurista do NYTimes

Da mesma forma que a indústria de bebidas ou de automóveis, o NYTimes, de dois anos para cá, vem tratando o investimento em pesquisa para criação de novos produtos como algo crucial para o seu futuro – existe uma espécie de laboratório de mídias totalmente dedicado a criar e pesquisar novos formatos, conteúdos e abordagens.

Para vocês terem uma idéia, o jornal trabalha com um profissional chamado de futurista, responsável por pesquisar tendências e sugerir temas e conceitos que o jornal deve seguir para o “seu futuro”.

Isso, na área de novas mídias, é vital, seja em empresas grandes ou pequenas que têm seus negócios apoiados na internet. Se você não investe em pesquisa, acaba sendo eternamente o 2º, 3º, 4º, 5º no mercado, ou não se mantém na liderança.

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Laboratório ocupa uma boa parte de um dos andares do prédio do jornal

Para entender melhor esse reposicionamento histórico do NYTimes que vocês estão acompanhando desde o começo aqui, no blog, é importante saber que ele se apóia em duas características que a web e a digitalização de conteúdos trouxeram para o jornalismo – mobilidade e perenidade às informações.

Antes de tudo, vale sanar algumas questões:

De novidade, a internet trouxe a participação dos usuários/leitores/telespectadores para o jornalismo?
Isso já existia, embora em menor escala, mas já existia – nas cartas dos leitores, nos ouvintes-repórteres fornecendo informações sobre trânsito para as rádios e naquele cinegrafista amador.

A internet trouxe o “jornalismo em tempo real” ?
Bom, isso as rádios já fazem há bastante tempo e melhor. Aliás, até hoje o “jornalismo de internet” toma furos das rádios e das TVs. Vide aqui, no Brasil, como a Globo News e a rádio CBN, volta e meia, em momentos cruciais, acabam pautando diversos sites de notícias. E lá fora, CNN e BBC.

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Sangue novo com o antigo: equipe de designers

O que existe realmente de novo são dois conceitos:

Notícia não morre mais [esse conceito me foi apresentado pelo Bruno Rodrigues] A internet é o único meio onde a notícia não amarela, nem fica empoeirada em uma fita. Ela não tem prazo de validade, pode ser acessada a qualquer momento outra vez via mecanismos de busca. A “notícia de ontem” ganhou importância.

E ainda. Pela primeira vez, temos uma quantidade de informação jornalística reunida de tal forma [digitalizada em bancos de dados] que é possível encontrar padrões e tendências [datamining].

Informações podem ser consumidas e produzidas de qualquer lugar
Com um celular/laptop um jornalista pode ler, ver, ouvir ou mandar informação para serem publicadas em um site. Uma notícia pode ser ao mesmo tempo consumida em um jogo – newsgames -, sob a forma mobile ou em um site de qualquer parte do mundo.

Por mais irônico que pareça, ao mesmo tempo que surgem mais formatos de mídia, por meio de tecnologias de distribuição de conteúdo, a notícia fica cada vez mais liberta de formatos.

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No metrô, no trabalho, no celular…

Mas voltando ao NYTimes, esses conceitos têm sido trabalhados na prática da seguinte forma.

Desde 2006, o jornal vem otimizando seu banco de dados e site para que as notícias sejam encontradas com mais facilidade nos mecanismos de busca, inclusive fazendo experimentos na área de datamining.

Neste ano, lançou o Times Machine, que nada mais é que uma interface para acessar de forma mais estruturada a “notícia de ontem”.

E agora, com o lançamento da API, o seu conteúdo poderá ser mais facilmente consumido e acessado de qualquer lugar.

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API – diversos aplicativos “poderão conversar” com o conteúdo do NYT

Por essas e outras, que, a meu ver, a grande questão hoje no jornalismo é sobre essa capacidade de mobilidade na produção e no consumo de notícias. Uma questão bem mais instigante do que a discussão conteúdo amador vs profissional, que, a meu ver, gira em círculos.

Enfim, a discussão não é quem produz a informação – amador ou profissional – mas como e quando as informações estão sendo consumidas.

É logico que a partir do momento que uma informação pode ser produzida e captada de qualquer lugar – com um celular, por exemplo – teoricamente, você abre caminho para que qualquer pessoa possa produzir essa informação.

Não é sobre amadores vs profissionais, mas sobre informação relevante e acessível de qualquer lugar para qualquer pessoa, conteúdo estruturado, largamente distribuído e o controle dessa distribuição nas mãos dos usuários.

Pelo visto, o NYTimes percebeu que o caminho é esse.

Fotos de Amit e burnt

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54 respostas para “Fim de uma era: The New York Times não é mais um jornal”.

  1. Ótima notícia. Tudo que prevíamos que ia acontecer com jornais irá mesmo acontecer, mas não de forma tão rápida como imaginávamos.

    Mas, acredito que essa mudança de postura do NY Times vai levar muita gente junto…

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  2. muito foda isso, né? Só o cargo editor de interatividade eu já acho fodástico.

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  3. Muito bacana a sua análise a partir da abertura de API do NYT. Parabéns.
    😉

    pena que no Brasil nós ainda discutimos bobagens como blogueiros x jornalistas

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  4. @Gfortes

    Muito bom, né? Eles criam diversos cargos ligados a novas mídias

    abs

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  5. @Nadja

    Valeu, Nadja!

    Pior que a discussão “blogueiros vs jornalistas” acho que só ficar exaltando o “jornalismo participativo” como feature novíssima no jornalismo 😉

    abs

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  6. @Rodrigo Cunha

    É só questão de tempo para outros jornais seguirem o mesmo caminho. 🙂

    O NYTimes já passou por desafios maiores, a internet é só mais um deles.

    abs

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  7. Tiago,

    Dois acontecimentos anteriores que eu lembro ter acompanhado no seu blog:

    1 – Reformulação das homes de jornal, agregando redes sociais.
    2 – Abertura do conteúdo da Times para os sistemas de Busca.
    Com esse agora da API, acho que seu blog tá entrando para a história.

    Nem sou da área de jornalismo, mas gostaria muito de um dia assistir uma palestra do antenado Tiago Dória.

    Se um dia um jornal brasileiro resolver fazer isso, você com certeza será cotado para o cargo de futurista.

    Ótimo artigo!

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  8. Opa, obrigado, Demétrio!

    É só convidar que dou uma palestra 🙂

    Qualquer dia, devo estar por aí.

    Abs

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  9. Avatar de Mudar ou Morrer
    Mudar ou Morrer

    Basicamente, isso demonstra o futuro do jornalismo. Agora e mudar ou morrer.
    Esta meio dificil de encontrar aquele leitor/telespectador trouxa que acredita em qualquer coisa que os lobbys que pagam os jornalistas mandam eles publicarem travestidos de noticia.
    Agora leitores/telespectadores vao buscar outras fontes para ter uma segunda opiniao, confirmar ou discordar da “noticia”, e a Internet esta ai para isso. Todos os leitores/espectadores fazem isso, ou quase todos com excessao dos frustrados, ignoramus, os “bitter people clinging to guns and religion” que vivem em W.Va, Kentucky ou na cidade de Sao Paulo.
    Em breve isso ai estara chegando a imprensa cartorial do Brasil. E ai vai ser o prego que falta no caixao da Globo, FSP, Estadao e a gang que e contra o progresso e o desenvolvimento do Brasil e do mundo…

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  10. huahuahuahauha.

    Gente, o “Mudar ou morrer” foi sensacional.
    È desse tipo de provocação que nós precisamos em nosso apático jornalismo. E chega de leitor dizendo ‘amém’ a tudo.

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  11. Olha isso 🙂

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  12. […] Acima, versão com legendas em português. E aqui sem legendas. Obrigado pela dica, MArina! […]

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  13. Brilhante, brilhante e brilhante!

    Tiago, tenho certeza que cada pessoa que leu este post, sentiu-se agraciado pois você não apenas nos informou, como deu uma aula cara!

    Acho que a franquia “NYTimes” prova porque está um passo à frente e incomoda tantos seus concorrentes, inclusive aqui no Brasil (vide Folha de S.Paulo e todos ombusdmen que por lá já passaram). =D

    Grande abraço,
    Tonico

    P.S.: Iniciei meu primeiro blog cara…. f****, tô dentro da bolha da blogosfera =P

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  14. Valeu, Tonico!

    Hehehe… se a bolha estourar pelo menos vamos todos juntos.

    Um abração e boa sorte no blog!

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  15. Onde vamos parar?

    Acho ainda mais radical o passo da Reuters.

    Os dois vivem de credibilidade mas – na economia do impresso – o NYT vivia do dinheiro dos anunciantes enqto a Reuters vivia das assinaturas do NYT e côngeneres (o grosso do faturamento vem de serviços financeiros).

    Agora, qdo a Reuters abre sua API, como ela vai cobrar do NYT pelo antiquado e caro newswire? Passa de fornecedor a concorrente?

    Obviamente, essa é a análise com base na economia/modelo antigo … que eles definitivamente começam a derrubar ao abrir mão de colocar cercas em torno do próprio conteúdo.

    Não é a pá de cal. Mas é um passo gigantesco para saltar sobre a própria cova.

    valeu GFortes a dica do post 🙂
    Obrigado Tiago pelo post, saí daqui com uma lista de favoritos novinha.

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  16. Obrigado, Java!

    Se é a primeira vez que está entrando no blog, seja bem vindo 🙂

    Quanto a Reuters, a tendência que percebo é essa mesmo, ela está deixando de ser agência para ser concorrente.

    Abs

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  17. Não … não é a primeira vez.
    Mas agora tá no rss 🙂

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  18. Passo de vez em quando por aqui, e acho que nunca fiz nenhum comentário, mas esse post tá muuuito legal – e super mastigado, quem não é da área (como eu) agradece!
    E nunca tinha parado pra pensar no fato de que só na internet as notícias não morrem, foi a descoberta do dia pra mim; realmente, a quantidade de informação que temos disponível, a um clique das nossas mãos hoje em dia é impressionante, só não tinha me dado conta…
    Mais uma vez, parabéns pelo post.

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  19. Obrigado, Flavia! 🙂

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  20. […] Apesar disso, o New York Times que já havia aberto o seu conteúdo para qualquer leitor, decidiu também disponibilizar a sua API . Dessa forma, os usuários poderão usar aplicativos que filtrarão as notícias do Times da forma que quiserem. Em outras palavras, um dos jornais mais tradicionais do mundo desistiu de cobrar pelas suas notícia… […]

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  34. […] Para quem estiver um pouco perdido sobre o processo de API nos jornais, recomendo ler o post que escrevi em maio – Fim de uma era: The New York Times não é mais um jornal. […]

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  39. […] quiser entender a importância das APIs para os jornais, duas leituras: Fim de uma era: The New York Times não é mais um jornal, no blog do Tiago Dória, e Why APIs are Important for Newspapers, trecho de notícia da Read Write […]

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  40. […] a de busca. É a mais esperada e a mais importante de todas, pois representa um ponto crucial na transformação do jornal em uma plataforma online de conteúdo. Ela permite o acesso e a interação em mais de […]

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  41. Fim de uma era: New York Times não é mais um jornal http://tinyurl.com/6zwgry

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  42. […] para que vou investir em novos conteúdos, novos talentos ou plataformas?), lá o papo é sobre APIs e os desafios da ubiquidade da informação jornalística aliada à participação em larga escala […]

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  43. […] conteúdo, assunto bem comum aqui, no blog, e que, atualmente, é protagonizado pelo Guardian e o NYTimes. Para quem não conhece, Valente é um dos poucos jornalistas brasileiros que tem formação na […]

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  44. […] de mídia, Jarvis deita e rola. É a sua área. Numa visão bem realista, diz que os jornais devem pensar como plataformas, o que necessariamente não significa liberar o acesso público a APIs ou a banco de dados, mas ver […]

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