
BlogCamp: Spyer sempre presente nas desconferências. Foto Helena Nacinovic
Acontece nesta quarta-feira, às 19h30, na Livraria Cultura, em São Paulo, o lançamento do livro Conectado, do historiador pela USP Juliano Spyer, uma das obras mais recentes e completas sobre mídia social feitas no Brasil. O livro tem prefácio de Caio Túlio Costa.
Na obra, Spyer aborda os efeitos e as características de fenômenos como MSN, Orkut, YouTube e blogs. É bem completa para quem quer conhecer as experiências colaborativas que estão sendo feitas por meio da web. O destaque é que não é uma produção totalmente fechada, as discussões levantadas no livro continuam no blog Não-Zero.
Além disso, possui uma característica que valorizo muito – é uma obra atualizada. Para se ter uma idéia, o crescimento do uso do Twitter é abordado, além de uma citação a BarCamp Sampa realizada em março deste ano. Abaixo segue uma rápida entrevista que fiz com Spyer a respeito do livro.

1) Você opta por não usar o termo Web 2.0 . Por quê?
Web 2.0 é um termo vago. Ele sugere ao usuário menos informado que essa nova internet é melhor, mas não explica como ou por quê. Nós, que trabalhamos na indústria desde antes do estouro da bolha, sabemos como o aquecimento do mercado favorece o aparecimento de modelos de negócio baseados em idéias mirabolantes de pessoas que querem tirar proveito da moda.
Não acho que a O’Reilly Media, que lançou o termo, tenha sido mal intencionada. Eles são muito competentes. Mas como o conceito é vago, um site com um blog pode ser vendidoa como Web 2.0. Eu simpatizo mais com o termo “mídia social”, que apesar de não ser perfeito, sugere uma forma de comunicação produzida socialmente.
Gosto também de falar em internet colaborativa e esses dias li no blog do José Murilo Jr o termo web ao vivo, que se contrapõe às plataformas de comunicação on e offline onde conteúdo é predominante ou inteiramente estático.

2) Um dos aspectos interessantes de seu livro é que você trata os blogs como uma ferramenta colaborativa e de publicação de conteúdo tão importante quanto os wikis. Você não acha que existe muito fetiche em torno dos blogs? Ou melhor – atualmente, existe uma supervalorização do uso da ferramenta blog?
De jeito nenhum. Apesar de eu trabalhar desenvolvendo e dando manutenção a ambientes colaborativos há vários anos, só recentemente comecei a me envolver com blogs. É uma ferramenta incrivelmente simples e que propicia uma experiência libertadora: a de conversar com audiências.
Se você se interessa verdadeiramente por um assunto, o blog é a melhor maneira para você encontrar interlocutores, e isso pode aumentar muito o capital social de uma pessoa.

3) Você comenta que o mercado de internet no Brasil tem caráter mais reativo. Espera algo fazer sucesso lá fora para depois implantar aqui – vide blogs, videocasts, wiki. Pesam para essa característica do mercado a falta da “figura do investidor de capital de risco” e o fato do bolo publicitário para a internet ser pequeno, ou esses dois aspectos não são causas, mas conseqüências do mercado de internet brasileiro ser mais reativo do que ativo?
Acho que muita gente está vendo a internet como um caminho para se ficar milionário. O YouTube foi comprado pelo Google por US$ 1,65 bilhão, a News Corp pagou US$ 680 milhões pelo MySpace. Mas ninguém sabe ao certo como reaver esses investimentos.
O projeto que tem mais perspectiva de dar certo na Web é aquele que efetivamente transfere poder para as pessoas. O Craigslist é uma alternativa gratuita e eficiente aos classificados pagos.
O Prosper.com (link em inglês) oferece empréstimos P2P com juros infinitamente mais competitivos que os dos cartões de crédito. A Amazon chegou onde está justamente por permitir que as pessoas falem umas com as outras o que pensam dos produtos. Quem estiver disposto a correr esse risco, sairá na frente.

4) Você comenta que saber ler e escrever são condições básicas para aproveitar a comunicação em rede. Neste sentido, como você vê o projeto do laptop de US$ 100?
Antes do boom da internet comercial, em meados dos anos 1990, os profissionais que mediam o interesse dos consumidores não botavam fé na web. Nada em suas pesquisas indicava que um número significativo de pessoas trocaria o controle remoto e o sofá na frente da TV pelo desconforto da cadeira, do teclado e do monitor como forma de entretenimento.
Meu amigo André Passamani me contou que viu crianças de rua pedindo aos clientes que saiam de uma lanchonete do Mac Donalds, não esmolas, mas a nota fiscal da compra para elas poderem acessar a internet.
Tenho um amigo que se referiu ao SoulSeek, um site de troca de arquivos de música, como uma ferramenta de conhecimento pela qual ele explora coisas – peças de arte, palestras, livros em audio – que de outra forma ele dificilmente teria acesso. Eu acredito que o projeto do laptop de US$ 100, se implantado, terá um impacto muito mais profundo que teremos condições de perceber no curto prazo.

A internet dando poder às pessoas
5) Em todo o livro você escreve sobre mídia social a partir das limitações e necessidades do mercado e do usuário de internet no Brasil. Em relação às mídias sociais e colaborativas, de forma resumida, o que funciona lá fora e que não dá certo aqui? E por quê?
O brasileiro dá muito valor ao relacionamento. Coisas que sejam objetivas e impessoais talvez interessem menos do que ferramentas que estimulem os participantes a criar e cultivar vínculos. Por exemplo, o projeto Viva São Paulo está no ar desde 2004 e nesse período, internautas de todas as idades publicaram espontaneamente mais de seis mil relatos biográficos relacionados à vida na cidade de São Paulo.
E eles fazem isso não para se sentirem importantes, mas para lembrar coletivamente. Um fragmento de memória repercute no grupo de participantes e elas vão recuperando partes de suas histórias que ficaram perdidas no tempo. Um dos elementos fundamentais desse site é o espaço de comentários. É lá que as pessoas se relacionam.

6) E após a publicação desse livro, o que você espera do uso da internet no Brasil?
Espero que o livro ajude a radicalizar a experimentação em torno das ferramentas sociais e colaborativas. Existe um grande mercado de trabalho a ser desenvolvido, que envolve a formação de profissionais para criar, implementar e dar manutenção a esses ambientes.
Apesar da reserva de mercado nos anos 1980, que limitou bastante o nosso desenvolvimento tecnológico, temos índices muito altos de utilização da internet. O Brasil pode ser um espaço de encubação de projetos desse tipo.
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