Em uma época em que a democracia sofre uma profunda pressão em diversas partes do mundo, James Stewart veio bater um papo com a gente no MIT, no Civic Media Center, do MIT Media Lab.
Stewart é um dos mais respeitados projetistas de serviços públicos da Era Digital. É responsável pelo premiado GOV.UK, site do governo britânico, reconhecido como uma efetiva ferramenta de aproximação entre governo e cidadãos.
Ao entrar no site GOV.UK, logo você percebe que está num ambiente diferente. O site tem identidade visual simples e navegação descomplicada, baseada em busca – é possível emitir e checar vários documentos digitalmente. Mesmo que não entenda como funciona o governo, você consegue tirar proveito do site.
O GOV.UK foi projetado desde o início tendo em vista os usuários (cidadãos) e não departamentos ou interesses de grupos internos do governo.
A transformação do site governamental foi bem interessante. Em 2010, a presença digital do governo britânico tinha problemas semelhantes à de outros governos: usabilidade precária, baixa satisfação dos usuários, cibersegurança deficiente, departamentos de TI atuando como silos, pouco dinheiro dedicado ao produto, duplicação de conteúdo, inconsistência na identidade visual, diversas marcas e urls conflitantes. Para se ter uma ideia, eram utilizados 700 CMS‘s diferentes, um custo totalmente desnecessário.
Segundo Stewart, qualquer projeto de reformulação da presença digital de um governo é trabalhoso, pois você está lidando com um produto que, bem ou mal, as pessoas já utilizam (não se começa do nada). Para vencer essas barreiras, você precisa ter mente que está reconectando a administração com os usuários. Ou seja, é um trabalho muito mais de reconexão do que conexão.
Uma das primeiras medidas nesta reformulação, iniciada efetivamente em 2011, foi fazer com que os departamentos de TI deixassem de atuar como silos e passassem a conversar e compartilhar dados entre si. Outra determinação foi o foco em 5 áreas – único domínio, identidade, tecnologia, mensuração e transformação.
Em vez de vários domínios e logos, o governo passou a ter um único endereço e identidade visual (logo minimalista), o GOV.UK. O conceito era simplificar ao máximo a presença digital do governo na web. Os produtos ganharam ciclos de entregas mais curtos, a metodologia agile foi adotada (existe uma API que mostra todas as demandas dos usuários) e a contratação e a renovação passaram a ser processos contínuos. Os departamentos de TI pararam de entregar “projetos de tecnologia” e passaram a pensar em “entregar serviços”. A navegação do site foi projetada para prestação de serviços e não mais em departamentos.
A ideia principal era que qualquer pessoa pudesse usar/tirar proveito do site sem precisar saber como o governo funciona.
Uma versão beta entrou no ar em janeiro de 2012 e hoje o GOV.UK tem 7 milhões de visitas por semana.
Uma das questões mais interessantes é que praticamente tudo que é digital no governo passou a ser mensurado quase que em tempo real. Os dados gerados nesta medição passaram a ser propositalmente apresentados de forma legível e lúdica para que qualquer pessoa entenda. Em Performance, é possível acompanhar, em tempo real, como diversos serviços digitais do governo britânico estão atuando. É uma espécie de Google Analytics do governo.
Aliás, aí está outro ponto. Segundo o especialista, para aumentar as visitas e o engajamento do público com o site do governo, você precisa entregar ferramentas para as pessoas, como o Performance ou o License Find, que permite encontrar as licenças de um estabelecimento comercial.
Na apresentação, Stewart falou sobre a importância de começar pequeno e de ser “simples, rápido e direto” (lemas da equipe do GOV.UK). Entretanto, há 3 lições que Stewart frisou bastante. Elas servem para qualquer projeto que tenha um caráter mais inovador, não somente em instituições públicas.
1) Recrutar hoje e sempre (não terceirizar). É importante sempre estar recrutando pessoas para o projeto. Deve ser um processo constante e não sazonal, pois projetos digitais precisam o tempo todo de novas habilidades. Há dois anos e meio, o GOV.UK começou com 6 pessoas. Hoje tem uma equipe de 300 pessoas.
Neste processo, é importante não terceirizar, segundo Stewart. É importante que talentos e conhecimentos não fujam do governo. Há 18 anos, o governo terceirizou a operação digital. Foi um desastre. As pessoas foram naturalmente entregando os projetos e partindo para outros desafios e o governo sentiu uma nítida fuga de talentos, conhecimento e experiência.
Nisso, Stewart destacou que o GOV.UK sempre busca novas pessoas nas startups. É o melhor ambiente atualmente para encontrar talentos, segundo o especialista. Entretanto, ao mesmo tempo, ele lembrou que o governo britânico não tem condições de competir com um Google ou uma Amazon na retenção/aquisição de pessoas.
Para atrair/manter essas pessoas, Stewart tenta utilizar o discurso dos benefícios não-materiais, de que você estará ajudando a reformular um dos governos mais importantes do mundo, influenciando assim a vida de diversas pessoas.
2) Celebrar sucesso. É extremamente importante entregar o que você promete. Isso gera credibilidade. Junto a isso, é significativo sempre celebrar as vitórias e entregas feitas por sua equipe. Valoriza os esforços, criar uma noção de processos, além de um ambiente de trabalho coeso e fundamentado no mérito.
3) Ter sponsors efetivos. Antes, durante e após a execução, o projeto de reformulação do GOV.UK teve um forte apoio de “sponsors internos”, ou seja, de gente do alto escalão do governo britânico que, desde o início, se colocou como “patrocinadora” do novo site (sponsor é um termo da área de gestão de projetos. Refere-se a uma pessoa que é responsável por ser uma facilitadora e defensora de um projeto internamente numa empresa).
A gente vê que inovação não muda muito. Seja na área privada ou pública, você sempre vai precisar do apoio de alguém em níveis superiores. Faz sentido. Toda inovação gera mudança, o que, naturalmente, mexe com pessoas e sentimentos: ego, inseguranças e expectativas de muita gente dentro de uma instituição.
Aliás, acredito que o grande sucesso do GOV.UK está neste caminho. Primeiro, o projeto conseguiu apresentar de forma rápida uma redução de custos (após a crise de 2008, os principais governos do mundo estão sofrendo uma forte pressão para reduzir custos). Segundo, existia por trás uma equipe de TI que entendia não somente de tecnologia, mas de negócios/pessoas.
E terceiro, mas não menos importante, desde o começo, o projeto foi fortemente apoiado por integrantes do alto escalão do governo, os quais passaram a encarar a presença digital do governo não como uma ferramenta de propaganda política para tentar influenciar o fluxo natural de informação da internet, mas sim como um serviço para resolver, sem demora ou frustrações, os problemas dos cidadãos.
