Wikipedia não é tão “revolucionária”

Estamos na safra de defesas de tese de doutorado no MIT Media Lab. É uma boa época para acompanhar e aprender com o trabalho final de outros colegas do MIT e ter contato com novas ideias.

Quem esteve defendendo a sua tese esses dias aqui, no MIT, foi o Mako Hill. Desconhecido do grande público, mas bem conhecido na comunidade de software livre, Hill é um dos criadores do projeto Ubuntu e um dos integrantes mais ativos da comunidade do Debian.

Em sua pesquisa, Hill tenta entender por que alguns projetos de “peer production/colaboração” alcançam sucesso e outros não. Por quais motivos, por exemplo, a Wikipedia é bem sucedida – consegue ser relevante e atrair uma grande quantidade de colaboradores de boa qualidade, enquanto que outros projetos morrem sem ninguém perceber e mal conseguem atrair 10 participantes?

Hill trabalhou tanto com dados qualitativos quanto quantitativos e chegou às seguintes premissas. A Wikipedia conseguiu ser um projeto colaborativo bem sucedido porque:

  •  Trabalha com um produto familiar (é uma enciclopédia. Todos sabem o que é uma enciclopédia). Diversos projetos falham por trabalharem com formatos desconhecidos ou “exóticos”.
  • A maioria dos recursos é dedicada à produção de conteúdo (e não exclusivamente para a tecnologia). Muitos projetos de “peer production” erram, pois se focam demais na tecnologia.
  • Baixa barreira para contribuição (os custos de transação são baixos). É muito fácil começar e encerrar uma contribuição na Wikipedia.
  • É simples. É comum projetos colaborativos falharem por serem complexos demais.
  • Baixa posse do conteúdo/produção. Ninguém é “dono” ou detentor de direitos de nenhum texto da Wikipedia.
  • Objetivos conhecidos.

Outro aspecto interessante encontrado por Hill é que com o crescimento da mobilização de um projeto colaborativo (aumento de colaboradores), existe um surgimento/aumento de uma oligarquia de colaboradores, que começa a se destacar sobre os demais. Hill considera esse aspecto uma espécie de “efeito colateral” que surge a partir do crescimento de um projeto.

Para reforçar tal conclusão, o pesquisador usa como base o conceito de “Iron Law“, do teórico político alemão Robert Michels – a formação de uma oligarquia é inevitável em qualquer organização democrática.

Acredito que a premissa mais interessante encontrada por Hill é a que mostra que a Wikipedia não é tão “revolucionária”. Na verdade, o seu sucesso deve ser atribuído justamente ao fato de fazer uma balanceada mesclagem entre aspectos familiares e não-familiares.

É interessante essa ideia, pois Hill usou um “framework” parecido com o que utilizamos no MIT Sloan para, internamente, analisar projetos de caráter inovador em empresas.

Para inserir e promover inovação e mudanças numa empresa, você deve começar com projetos pequenos e balanceados (nunca um projeto ou discurso muito disruptivo será aceito). Disrupção demais e de uma única vez assusta qualquer tipo de pessoa.

Projetos disruptivos/inovadores que tenham uma equação entre aspectos familiares e não-familiares são justamente os mais suscetíveis de serem aceitos e bem sucedidos numa empresa. Do ponto de vista filosófico, o segredo da inovação que alcança sucesso comercial está em exatamente balancear características conhecidas com não-conhecidas.

Não é à toa que os primeiros pensadores/acadêmicos/consultores de mídia digital não conseguiram convencer as empresas tradicionais de mídia a fazer a migração para o digital. Em geral, todos tinham um discurso muito disruptivo. Disrupção em demasia espanta.

É lógico que os estudos de Hill deixam abertas várias questões. Ele analisa muito mais os aspectos internos, enquanto que os fatores externos podem ter uma grande importância na explicação do motivo de alguns trabalhos colaborativos darem certo ou não.

Por exemplo, aqui nos EUA, existe uma cultura de colaboração bem frequente. As cidades e os bairros são pequenos. E os ideais da Revolução Americana estão ainda muito presentes. Há uma cultura colaborativa que facilmente é transposta para o online. Isso facilita a realização de projetos de “peer production”.

É bem provável que Hill transforme a sua tese em livro (ele está se mudando de Boston para a cidade de Seattle, onde será professor de Comunicação na Universidade de Washington). A sua pesquisa é mais do que bem vinda. Em um meio onde existe muito “achismo” e conclusões mais ideológicas do que científicas, seus estudos trazem mais clareza e ajudam a mostrar que a área de “peer production/colaboração” exige novos tipos de pesquisas.