Privacidade como oportunidade

O debate sobre privacidade de dados anda confuso. De um lado, a turma do “tudo pode”, a qual acredita que a privacidade online virou commodity e que, sem a exploração dos dados dos usuários, a internet de conteúdo gratuito e sustentada por publicidade não existiria. De outro, o pessoal do “nada pode”, que encara a coleta indiscriminada de dados como algo contrário ao princípio de liberdade na internet, postura que, por si só, causa certa estranheza, pois uma caraterística da internet como plataforma tecnológica é justamente “trackear” tudo o que é feito e colocado nela.

Entretanto, no meio dessa polarização, começa a surgir a turma do “meio termo”, que vê na privacidade uma oportunidade. A gestão da privacidade é vista como uma forma de gerar e manter uma boa relação com os usuários e não um “gasto” ou um “fardo” para as empresas de internet.

Em artigo na última edição da MIT Sloan Review, Catherine Tucker, professora de marketing do MIT Sloan, explica como isso poderia acontecer na prática.

Segundo Tucker, grande parte das empresas ainda trata o gerenciamento de privacidade como algo distante da relação com os usuários. A maioria contrata um escritório, que estabelece diversas regras sobre a gestão de dados. Regras estas muito mais focadas em resguardar a empresa de problemas legais, mas pouco em evitar a desconfiança do usuário.

Na visão apresentada por Tucker, os escritórios de privacidade teriam um papel muito mais estratégico, ligado ao marketing e com a missão de gerar e manter um relacionamento com os usuários. Uma dinâmica que iria muito além de enviar periodicamente aos usuários avisos sobre mudanças na política de privacidade. Mas sim em desenvolver um framework de controle de privacidade focado nos usuários, o qual poderia, por exemplo, resultar em um menu de opções onde as pessoas pudessem escolher quais e como os seus dados poderiam ser utilizados após fazer uma compra em um site de comércio eletrônico.

Segundo a professora do MIT, estudos mostram que os usuários sabem que a coleta de dados pode melhorar a experiência com um produto. E mais. As pessoas não se incomodam que monitorem o seu comportamento online, desde que tenham noção de como os seus dados são utilizados e se sintam parte do processo decisório.

“Existe uma diferença muito grande entre informar e respeitar os usuários”,

comenta Tucker sobre os diversos avisos que recebemos sobre mudanças de política de privacidade em vários sites. Avisos estes mais voltados a atender reguladores do que estabelecer uma relação com os usuários.

Essa visão da privacidade como oportunidade começa a ganhar espaço não somente no setor de negócios, mas também no âmbito acadêmico. O último livro do pesquisador de cultura digital Jaron Lanier, Who Owns the Future?, vai justamente nesse sentido – de que devemos colocar em prática uma nova forma de “fazer internet”, em que todo o sistema saia ganhando, em que a relação entre pessoas e organizações seja de ganha-ganha e não perde-ganha, como ainda é atualmente.

Uma questão parecida foi levantada num debate do qual participei, no mês passado, no Berkman Center for Internet and Society, na Universidade de Harvard. Uma das principais observações foi de que muito da discussão sobre privacidade de dados ainda cai na noção de “opt-in” “opt-out”. Ou seja, tudo ou nada. Enquanto que um meio termo – “você pode usar tais dados, mas outros não” – parece ser um caminho bem mais sustentável para o futuro da internet.

Na realidade, todo esse debate sobre privacidade e uso de dados faz parte de um movimento maior – a percepção de que a regulamentação da internet é um caminho sem volta. Essa compreensão ficou ainda mais forte entre pesquisadores e executivos depois que a biotecnologia entrou na jogada das empresas de internet. Cada vez mais, as bases segmentadas mais cobiçadas são as de dados biométricos e não mais sobre quais filmes as pessoas curtiram ou qual restaurante foi visitado ontem à noite (pouca gente comentou, mas o incensado Google Glass está muito mais ligado ao setor de biotecnologia do que ao de mídia).

É lógico que essa visão sobre privacidade e de como lidar com os dados pessoais deverá variar de país para país. Ela deverá estar bem mais presente e atuante em países onde as empresas de biotecnologia tenham um papel mais relevante na economia, e onde já existam cultura e prática sedimentadas de entender as regulamentações como uma forma de garantir que todos saiam ganhando em um ecossistema.