
“I’m okay. Hope you are well too” e “Está tudo bem comigo e vc?” foram as frases que mais queria ler e ouvir no último 15 de abril em Boston.
Foi uma data difícil. Passei o dia inteiro recebendo e enviando mensagens para saber se todos os meus conhecidos estavam bem. Não dormi direito.
Somente fiquei mais tranquilo na tarde do dia seguinte quando consegui falar com a última pessoa com quem estava tentando contato – uma “ex-housemate” que hoje é minha amiga e adora praticar corrida. Ela estava na maratona, mas, felizmente, minutos antes, já tinha saído do local.
A região de Copley e da Boylston Street é uma das minhas preferidas em Boston. Aos domingos, é o melhor lugar para, com os amigos, reservar uma das mesinhas nas calçadas e comer o tradicional brunch (o combinado café-da-manhã e almoço dos americanos). O local sempre tem algum músico ou aluno da Berklee College of Music exibindo os seus dotes musicais para a multidão de pessoas que passa todo dia pelo local. Boylston também é histórica, é o local onde, por exemplo, ficava o campus original do MIT, antes da mudança para a região de Cambridge.
Fiz reuniões, estudei, encontrei amigos no Starbucks onde, em frente, explodiu a segunda bomba. É um dos meus favoritos dentre as dezenas de Boston. Na região, Starbucks parece espaço de coworking – em silêncio e com várias pessoas estudando, trabalhando e trocando ideias.

Mesmo não me encontrando no local e com vários amigos bem e salvos, não tem como não se sentir também uma vítima, principalmente ao saber que, dentre os falecidos do atentado, está uma imigrante que estava no mesmo barco que você – veio para Boston para se especializar na área de estudos que mais amava – e um policial do MIT, que todo dia estava presente para cuidar da sua segurança e da de seus colegas (os policiais do MIT são supereducados, sempre dispostos a dar informações sobre o campus e arredores).
Nas últimas semanas, vários sentimentos vieram ao mesmo tempo. Felicidade (por não estar entre os feridos), tristeza (pelas famílias das vítimas), medo (será que os meus amigos estão bem?), raiva (pelo que fizeram com as pessoas e a cidade) e orgulho (a cidade está se recuperando de forma exemplar).
Boston é uma cidade pacata, intelectualizada, que recebe muito bem as pessoas. Graças ao seu caráter universitário e intelectual (MIT, Harvard, Boston University estão na região), é a porta de entrada de milhares de estrangeiros e o primeiro estágio da carreira profissional de diversos americanos.
É um ciclo que se renova a cada 12 meses. Todo ano milhares retornam aos seus estados e países de origem, mas outros milhares chegam a Boston para iniciar os seus estudos nas universidades. É gente do mundo inteiro.
É uma região onde as pessoas passam os mais importantes anos de suas vidas estudando e dando os primeiros passos no mercado de trabalho americano. É onde, no convívio do dia a dia universitário, muitos conhecem as suas futuras esposas e maridos. E é também, em Boston, onde muitos, ao se apaixonarem pelo estilo de vida local, decidem não mais voltar para seus locais de origem.
Como diria Andrew Cohen, escritor que viveu por 7 anos na cidade – “Você pode sair de Boston, mas Boston não sai de você”.

É na cidade que, pela primeira vez, pude vivenciar um sentimento que nunca tive oportunidade: a noção de cidadão do mundo.
Essa percepção emerge de forma simples. Certo dia, no MIT, fiz um trabalho em grupo com uma garota da Austrália, um rapaz do Chile, outro do Japão e mais um da Finlândia. Noutra atividade, participei de um grupo composto por pessoas da Mongólia, Alemanha e Índia. Esse é o dia a dia não somente do MIT, mas de Boston.
Nesse convívio diário, tudo junto e misturado, você percebe que há mais semelhanças do que diferenças com outros povos. E até se esquece que é brasileiro, indiano ou japonês. No final, começa a se encarar como um cidadão global.
E isso é uma coisa interessante. As pessoas saem do Brasil achando que “ser brasileiro” é ser aberto, sociável e falante. Quando você chega em Boston, vê que os outros são tão sociáveis ou até mais que os brasileiros. Aí você começa a se questionar – o que é “ser brasileiro”?
Boston me faz sentir muito mais útil e recompensado. Na região, tenho uma vida bem ativa, estudando, participando de pesquisas, escrevendo artigos, sendo convidado para dar palestras, conhecendo novas pessoas a cada dia.
No último mês, por exemplo, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente os tecnologistas e blogueiros Doc Searls e David Weinberger, duas referências no início da minha carreira.

A questão da resiliência foi algo que logo absorvi, convivendo com os moradores que há mais tempo estão na cidade.
Nunca me esqueço das primeiras semanas em Boston, quando o furacão Sandy deu as caras. Veio uma nevasca, árvores caíram e os trilhos do metrô e do “commute rail” foram destruídos. Entretanto, no dia seguinte, escolas, empresas e universidades funcionaram normalmente. Durante a madrugada inteira, quase como se fosse uma operação de guerra, exército e funcionários da prefeitura trabalharam para liberar ruas e consertar trilhos.
Essa cultura de cair mas se levantar sem perder o foco faz parte da região desde o seu início. Afinal de contas, a Revolução Americana começou em Boston. Seus ideais de igualdade, resistência e liberdade ainda estão muito vivos e atuantes.
E são justamente esses valores que estão mostrando a sua força e relevância – nos moradores que abriram as moradias para hospedarem pessoas que não conseguiam voltar para suas casas, nos restaurantes que baixaram os preços e até deram comida de graça, nos obstinados voluntários nos hospitais, na base tecnológica que já está ajudando na recuperação dos feridos com o atentado.
A importância dada à tecnologia social também se manifestou. Em questão de horas, a Prefeitura de Boston passou a utilizar hashtag e tweets pagos no Twitter para arrecadar recursos para os afetados pelas explosões. O Paypal está sendo utilizado como plataforma para arrecadar doações em dinheiro.
Rapidamente, a plataforma GoFundMe tornou-se um hub de doações para as vítimas. Foi criada até uma aba chamada “Believe in Boston“.
O jornal Boston Globe, que possui uma equipe digital atenta (vide o almoço que tive com o editor-chefe da publicação), logo nos primeiros minutos abandonou o tradicional layout de manchete e foto, e passou a adotar uma interface enxuta, semelhante a uma linha do tempo do Twitter ou do Facebook. Você entrava no site da publicação e via somente essa linha do tempo.
A publicação direcionou uma parte da sua equipe muito mais para atuar como curadora dos primeiros relatos e fotos do que para a produção de conteúdo próprio. Ou seja, rapidamente a publicação mudou o seu staff para a atividade de curadoria.
Boston me abrigou muito bem e espero sempre retribuir essa cidade pelo que tem feito por mim. É uma cidade importante para minha vida profissional e pessoal.

Boston está agora emergindo diferente.
Está emergindo como uma cidade mais fortalecida e unida, que terá a noção exata de que uma das suas principais qualidades é a resiliência (um assunto que tanto comentei aqui há 5 meses).
Tenho certeza de que, daqui a alguns anos, sairão teorias e livros sobre como Boston conseguiu desenvolver essa capacidade.
Como diriam as pichações e cartazes espalhados pela cidade nos últimos dias – You can’t break Boston.
Publiquei abaixo um artigo sobre o almoço que tive com o editor chefe do Boston Globe. O artigo foi publicado originalmente há um mês, em inglês e voltado ao mercado americano. Mas o traduzi para o português e fiz algumas adaptações para o mercado brasileiro. Está logo abaixo.
Deixe um comentário