Quando Bill Gates disse que, se fosse um adolescente hoje, estaria hackeando a biologia e não computadores, a declaração soou meio vaga. Entretanto, hoje em dia, ela nunca fez tanto sentido.
O motivo é simples. Como nunca, o setor de biotecnologia se tornou um imã de talentos, atenção, inovação, atividade econômica, emoção e esforços.
Da mesma forma que aconteceu com o digital num passado recente, hoje, a área de biotecnologia já assume o papel de baluarte da inovação.
Quando falo de biotecnologia não me refiro somente às tecnologias de mapeamento de DNA, à união entre técnicas médicas e pesquisas científicas ou ainda ao casamento entre ciências da computação e biologia, mas a todas as suas ramificações, como o recente movimento de biohacking – cientistas que acreditam na filosofia do “open source” e trabalham fora da política restrita das instituições acadêmicas e de grandes empresas do setor de biotecnologia.
O Wall Street Journal jogou um pouco de luz sobre o que está acontecendo com uma matéria de capa sobre a “medicina personalizada“.
Graças aos últimos avanços na biotecnologia, prognósticos, prevenção de doenças, diagnósticos e tratamentos estão começando a ser formulados de forma “personalizada”, de acordo com a genética e o fenótipo (exclusivo) de cada pessoa. Ou seja, estamos indo de uma medicina experimental e com soluções de massa para uma medicina baseada em dados e na personalização. O que promete trazer grandes mudanças no tratamento médico.
Especialistas acreditam que, até hoje, a cura do câncer não foi encontrada porque estamos adotando a filosofia errada – em tentar uma solução de massa, “uma-solução-que-sirva para-todos”, enquanto que o ideal seria o tratamento de forma personalizada, de acordo com o gene de cada pessoa.
O interessante é que, além de trilhar o seu próprio caminho, a biotecnologia, com suas técnicas e filosofias próprias, tem influenciado outros setores. A ideia, por exemplo, de utilizar, no jornalismo, os dispositivos móveis como coletores de dados brutos, é originária do setor de bioinformática, acostumado a lidar com sensores.
No cinema, mesmo que de forma caricata, a biotecnologia ganhou espaço em filmes recentes de ficção, como Prometheus (2012), do diretor Ridley Scott.
Longe da ficção e bem perto da realidade, Boston e Detroit são exemplos de duas cidades americanas que, na prática, já estão sendo afetadas por essa revolução da biotecnologia. Detroit está se reconstruindo graças à biotecnologia. Ash Stevens, Genesis Genetics, MitoStem são alguns dos nomes de empresas que começam a fazer parte do cenário econômico de Detroit, até então uma cidade associada à indústria automobilística americana.
Em Boston, os efeitos são mais acentuados. Por sua evolução na biotecnologia, especialistas acreditam que a cidade já desperta inveja em outras localidades nos EUA.
O setor é apontado pelo jornal The New York Times como o responsável pelo crescimento de construções de prédios na região. Novartis e Pfizer são algumas das companhias que resolveram fincar seus novos laboratórios de pesquisa no local, gerando novos empregos para a região de Cambridge.
Em Boston, apesar da existência de diversas universidades – MIT, Harvard, Boston University – existem vagas em biotecnologia que não são preenchidas. Falta pessoal.
Até brinco com meus amigos brasileiros. Do jeito que as coisas andam, cedo ou tarde, vou acabar trabalhando em uma startup de biotecnologia em Boston.
Também é nítido o início da “guerra de talentos”. Empresas tradicionais de internet e de informática – Google, Amazon, Microsoft – começam a ver alguns de seus melhores engenheiros migrar para negócios associados ao setor de biotecnologia.
Os investimentos em empresas do setor de bioinformática subiram 45% entre 2011 e 2012, em Boston. Fundos de investimentos locais estão cada vez mais cansados de apostar em startups de “social media”, preferindo focar-se em empresas iniciantes do setor de biotecnologia e de TI aplicada ao setor de saúde.
Ainda que silenciosa para alguns, essa mudança faz todo sentido. Na hora em que a grande novidade do setor de “social media” é um produto inacabado de busca, fica claro que há uma estagnação na área, pelo menos, conceitualmente.
Toda essa movimentação me fez pensar em algumas coisas. Compartilhei esses “insights” com colegas e professores em Boston. Aproveito para compartilhar também com vocês:
1) Descentralização da inovação – o crescimento do setor de biotecnologia ajudará a descentralizar ainda mais os polos de inovação. Há algum tempo, o Vale do Silício deixou de ser a meca da inovação. Isso já é perceptível para quem está de fora, mas na hora em que você passa a morar e estudar na área de negócios e tecnologia nos EUA, começa a sentir na pele essa alteração. É comum ouvir histórias de profissionais e empresas que estão saindo da região e partindo para outros lugares.
Os recursos que o Vale fornece – acesso a investimento e capital humano – já estão bem mais descentralizados nos EUA. Vale lembrar ainda que a região não é dominante em setores importantes da economia, como o de comércio eletrônico. A biotecnologia está descentralizando a inovação nos EUA, fazendo com que cidades como Boston e Detroit se destaquem.
2) Negócios mais maduros e investimentos mais robustos – Uma das características do mercado de internet é ter baixas barreiras de entrada e saída. Ou seja, é muito fácil iniciar e encerrar um negócio de internet. Isso promove uma quantidade maior de transações, mas, por outro lado, gera também negócios de baixa qualidade e a entrada de pseudoespecialistas no setor (quanto maior a quantidade de pessoas entrando como aventureiras, tanto maior a necessidade de “especialistas”). Aliás, essas características não são exclusivas da internet, mas dos mercados abertos.
No setor de biotecnologia, o cenário promete ser diferente. A atratividade é maior – as barreiras de entrada e saída são maiores (no mínimo, você precisa ter um laboratório instalado, é necessário um conhecimento maior para entrar no setor). Com isso, os investimentos tendem a ser mais robustos e os negócios mais maduros.
3) Importância da evolução conceitual – A área de biotecnologia não chegou ao ponto atual à toa. Antes houve uma evolução conceitual muito grande no setor, principalmente depois do Projeto Genoma, de sequenciamento de DNA. Essa evolução é comparável à que sistemas de informação sofreram nos anos 50 a partir da adequação da heurística à inteligência artificial, dando origem aos “sistemas inteligentes ou especialistas”.
A revolução da biotecnologia é um exemplo do quanto é relevante a evolução conceitual de um setor (geralmente resultado da união entre academia e mercado). Geração de empregos e novos campos de atuação é o que surge depois de um setor sofrer um avanço de conceitos. Um setor que somente faz e não pensa fica estagnado.
4) Digital afetando tudo que é ligado a informação – O crescimento da inovação e da disrupção no campo da biotecnologia é uma amostra de que o processo de digitalização e os últimos avanços do setor de tecnologia de informação, afetaram não somente as áreas de jornalismo, publicidade e entretenimento, mas sim tudo que é ligado à informação. O DNA, base da atual revolução que acontece na biotecnologia, nada mais é do que um pedaço de informação, que após ser digitalizado, pode ser “hackeado” e mesclado a diversos outros dados e outros fragmentos de informação.
Células do corpo humano, por sua vez, processam informações semelhante a um computador. Informações químicas, claro, mas que não deixam de ser, pura e simplesmente, informação. No final, estamos falando de informações e dados que se tornaram digitais.
5) Possibilidade de mudar radicalmente a vida das pessoas – Esse é um dos pontos mais interessantes. Os últimos avanços na biotecnologia prometem afetar radicalmente a vida das pessoas não somente por transformar doenças que eram mortais em crônicas, mas por colocar mais poder nas mãos de pacientes e médicos.
Alguns desses avanços começam a dar os primeiros resultados. Recentemente, o Hospital Infantil de Boston conseguiu fazer com que o coração de uma criança se autoconstruísse, mesmo após o órgão nascer incompleto. A instituição vem fazendo testes com nano-robôs para reconstruir corações.
Uma notícia recente e extremamente importante no setor de tecnologia passou despercebida. Foi anunciada uma nova tecnologia de DNA capaz de proporcionar o combate personalizado ao câncer, prolongando, desse modo, o tempo de vida das pessoas afetadas pela doença.
Imagine como isso afetará direta e indiretamente diversas pessoas. Quase todo mundo da geração atual tem um parente ou conhecido que faleceu devido ao câncer.
Por essas e outras, vale olhar com mais atenção para o setor de biotecnologia.
No Brasil, ainda é incipiente. Mas no exterior, já existem veículos de mídia cobrindo muito bem o setor e de forma profissional. Você não precisa necessariamente ser um biólogo ou cientista para explorar o setor. O campo da biotecnologia está abrindo espaço para muitas coisas, algumas delas bem simples, como aplicativos de celular que medem as batidas do coração e se conectam a base de dados, perfeito como prevenção para pessoas que sofrem de problemas cardíacos.
A exemplo do que fizeram com a internet (a suposta Geração Y), fico imaginando como irão chamar essa geração que crescerá com os avanços na biotecnologia. Geração biotech? Não importa. O que interessa é que nos foi dada, uma vez mais, a chance de mudar radicalmente a vida das pessoas, e para melhor.








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