Não existe virgem de internet

Cartoon

Em sites brasileiros, é fácil se deparar com a expressão “virgem de internet“. O termo refere-se a pessoas que ainda não tiveram contato com os efeitos da rede. Ou ainda, a pessoas que, para ficarem imunes às “consequências negativas da web”, preferem não acessar a rede e os dispositivos a ela relacionados – como se esse comportamento as blindassem contra os efeitos da internet.

Cheia de graça, a expressão carrega um erro de análise – acreditar que somente as pessoas que são usuárias de uma tecnologia sofrem os efeitos da mesma.

Na verdade, em um sistema social, todo mundo é afetado pelas consequências, seja usuário ou não de uma inovação tecnológica.

No caso da internet, isso está até mais presente.

Ou seja, mesmo que não utilize todas essas traquitanas da internet – Twitter, Facebook, WhatsApp – de alguma forma, positiva ou negativa, direta ou indiretamente, a curto ou a longo prazo, você será influenciado por elas.

Na área de gestão de inovação, existem termos em inglês para definir essas consequências que atingem a todos – desirable and undesirable consequences.

Everett Rogers, autor do clássico Diffusion of Innovations, que já está em sua 5ª edição, é bem enfático nesta questão dos efeitos de uma novidade tecnológica. Segundo o pesquisador, toda inovação carrega também consigo consequências negativas. O problema é que somente vamos percebê-las muito tempo depois. No começo, ao ser adotada uma inovação, pensamos apenas nos seus efeitos positivos.

Um exemplo é o carro. No início, todos viam somente as vantagens – redução das distâncias, ruas mais limpas (as fezes dos cavalos sujavam tudo), novo mercado consumidor. Hoje, mesmo que não tenha/utilize um carro, você é afetado pelas consequências negativas do uso dessa inovação tecnológica de mais de 100 anos – poluição, barulho, poucas calçadas, muitas ruas.

Pode parecer bobeira tudo isso, mas é justamente essa maturidade no trato das inovações tecnológicas – saber que sempre há consequências tanto negativas quanto positivas e que afetam até mesmo quem não as utiliza – é que faz a diferença.

Nos anos 60, uma comunidade do norte da Finlândia se auto-sabotou ao substituir o transporte de renas por motos de neve. As renas eram o centro da cultura da comunidade (transporte, referência simbólica, economia, vestuário).

Ao substituir as renas por motos, a comunidade perdeu totalmente as suas referências, sejam elas simbólicas e econômicas. Hoje, a febre de motos de neve passou, pois, a longo prazo, a maioria da população na comunidade não teve dinheiro para pagá-las. Muitos vivem, atualmente, de programas sociais do governo.

Em escolas de gestão de negócios, esse caso da Finlândia é utilizado até hoje para mostrar o que acontece quanto não existe uma reflexão sobre uma inovação tecnológica a ser adotada. Apesar de, no caso, a comunidade ser avançada, faltou maturidade no trato da adoção da novidade tecnológica.

Na época, durante o rápido processo de adoção desse novo meio de transporte, metade da comunidade finlandesa pensou somente nos efeitos positivos imediatos – rapidez de locomoção. A outra metade achou que bastava não utilizar as motos de neve para não ser afetada pela novidade tecnológica.

Às vezes, o acesso a uma inovação tecnológica é restrito, mas os seus efeitos na sociedade são quase sempre amplos e difusos. No caso da internet, podemos pensar em vários deles, como saturação do tempo presente e a supervalorização do novo (se é novo, é melhor) .

Por isso, a esta altura do campeonato, não faz sentido falar de “virgem de internet”. Mesmo que não perceba, você já deve ter sido pego pelos efeitos da rede.

Uma resposta para “Não existe virgem de internet”.

  1. kindle edition desse Diffusion of Innovations foge do padrão de ser mais barata que a edição de papel: $25 doletas …

    Curtir

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados *