A volta do "Golias da tecnologia"

Praticamente, toda tecnologia passa pelos processos de criação, desenvolvimento e comercialização. As três etapas não são excludentes entre si e têm igual importância.

De nada adianta criar uma tecnologia se ela não é posteriormente comercializada. E, obviamente, antes de ser comercializada, uma tecnologia precisa ser criada.

Daí não faz sentido falar que Steve Jobs, cofundador da Apple, não teria importância porque não criou tecnologia alguma. Jobs pode até não ter inventado nenhuma tecnologia, mas foi responsável por comercializar várias delas. Ele atuou na 3ª fase desse processo tecnológico.

Quase sempre quem comercializa não é quem inventa a tecnologia. Do mesmo modo, nem sempre a empresa que inicialmente detém uma tecnologia a levará futuramente para as massas e colherá os seus benefícios.

Um exemplo disso é a Xerox. Em seus laboratórios, a empresa criou algumas das inovações que fazem parte do nosso dia a dia, como a Graphical User Interface (interface de janelas, menus, ícones e botões comum nos computadores).

Quem colheu os frutos e comercializou a GUI não foi a Xerox, mas sim Microsoft e Apple. Até hoje, para o público mais leigo, a Xerox não tem nenhuma relação com a web. É apenas uma empresa de copiadoras.

De um ano para cá, a Xerox virou exemplo de outra coisa. De uma empresa que conseguiu se reinventar e sobreviver a uma década de disrupção tecnológica, em que copiadoras e impressoras deixaram de se tornar aparelhos imprescindíveis em escritórios.

Em 2001, quase que a empresa entrou em concordata, um capítulo bem ruim para quem já foi considerado um “Golias da tecnologia”.

Duas influentes revistas de tecnologia dão destaque em suas últimas edições à reviravolta na Xerox. Na Fastcompany, Ursula Burns, primeira CEO negra da empresa, é destacada como responsável por essa mudança.

Na Technology Review, publicação do MIT, Scott D. Anthony, autor de The Little Black Book of Innovation, afirma que, ao contrário do senso comum, a Xerox evidencia que grandes e estabelecidas empresas estão transformando disrupção tecnológica em oportunidade e não ameaça.

Nos anos 80 e 90, apenas 25% das inovações vinham de empresas grandes e estabelecidas (incumbentes). O resto das inovações nascia em startups. Hoje, essa porcentagem subiu para 35%.

Segundo Anthony, o motivo para essa mudança é simples. Por uma questão de sobrevivência, empresas começaram a investir em inovação. Houve um incentivo ao intraempreendedorismo. Outro fator foi o crescimento do poder do consumidor de baixa renda de tecnologia, que não somente potencializou mercados como trouxe “inovação reversa“.

De certa maneira, a reviravolta da Xerox foi parecida com a da Apple.

Da mesma forma que, em 1997, em sua volta à empresa, Steve Jobs redescobriu a competência central da Apple (usabilidade e design), e tentou aplicá-la a diversos produtos e mercados; em 2009, Ursula Burns buscou descobrir outra vez aquilo que a Xerox fazia de melhor.

Num processo de autoanálise, Burns deixou evidente que a competência central da Xerox não era fabricar fotocopiadoras, documentos e menos ainda impressoras, mas sim tornar os processos de negócios menos onerosos e complexos. Afinal de contas, lá no passado, ao fornecer as fotocopiadoras ajudou a minimizar a burocracia e os sobrecarregados processos de diversas empresas.

Ou seja, a missão tecnológica da Xerox sempre foi back-office. Aliás, bem no início, os computadores tinham essa função – de retaguarda nos escritórios (hoje os computadores fazem parte de todas as instâncias de nossas vidas).

A partir dessa perspectiva foram feitas séries de aquisições. Hoje serviços online de gerenciamento de documentos, como BlitzDocs e CategoriX, prometem se tornar a vaca leiteira da empresa. Na unidade de negócios corporativos da Xerox, os lucros subiram 13%.

Talvez, a Xerox seja um exemplo também do que o futurista Thomas Frey diz – em uma época de disrupção, os protagonistas de uma indústria devem entrar numa fase de autoanálise para entender realmente o que está acontecendo. Nada o que um divã não resolva.

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