Jornalista-programador ou programador-jornalista?

Nesta quarta-feira, a Universidade da Columbia, que possui uma das escolas de jornalismo mais respeitadas do mundo, anunciou a criação de um curso de mestrado que mesclará disciplinas da área de Ciências da Computação com as de Jornalismo.

A intenção é ir além de “habilidades multimídia”, ensinar o jornalista a criar, programar e gerenciar softwares, a pensar também como um desenvolvedor e engenheiro de software.

A criação do curso, que ainda espera aprovação do Departamento de Educação, não deixa de ser reflexo do quanto a fronteira entre jornalismo e desenvolvimento de softwares está diminuindo.

Dependendo da forma como você trabalha com os dados, criar aplicativos também é fazer jornalismo. Afinal, software é mídia, como diria o investidor Fred Wilson.

Software é mídia não somente no sentido de que as pessoas atualmente acessam softwares como se estivessem acessando mídia, mas por que eles se tornaram o principal intermediário atual da comunicação e da produção simbólica.

O curso da Columbia é bem válido, mas, sem querer pegar no pé dos jornalistas, acredito que atualmente é mais fácil fazer um desenvolvedor/programador pensar como jornalista do que um jornalista pensar como desenvolvedor/programador, por assim dizer.

Reflexo disso foi quando comecei a estudar na Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatec). Quando contava aos meus colegas de jornalismo que estava fazendo a Fatec, a primeira coisa que ouvia era – “Pô, desistiu da profissão!”. Por outro lado, quando falava para o pessoal da Fatec que tinha feito jornalismo, eles falavam: “As duas áreas têm bastante a ver. Trabalham com a questão de organização e hierarquização de informações e dados”.

Falo isso (sobre jornalistas e desenvolvedores) não somente por minha experiência na Fatec e em outros lugares, mas pelo que tenho acompanhado em “hack days“, como o Yahoo! Open Hack Day e o Transparência Hack Day, eventos em que, no Brasil, diga-se de passagem, é raro encontrar um jornalista, apesar de todo o papo de “cultura digital”, “colaboração”, “novos paradigmas” que começa a povoar o discurso dos “mais antenados” por aqui.

Para mim, a questão não é somente que o jornalista e o desenvolvedor/programador estão se aproximando um do outro. A coisa é mais profunda, é que desenvolvedores/programadores estão começando a pensar como jornalistas. Vide o último Yahoo! Hack Day Brasil, no qual existiu entre os “hacks” uma grande preocupação em criar relevância em meio a tantas informações, em tornar legível uma montanha de dados e informações.

Lá fora já é comum encontrar desenvolvedores que estão à frente, produzindo por conta própria produtos de jornalismo. Para exemplificar, cito dois. Nick Bilton, no NYTimes, e o desenvolvedor Alan Taylor, que toca em frente o premiado blog Big Picture, do Boston Globe.

Enfim, posso estar errado, mas a minha sensação é a de que teremos mais programadores-jornalistas do que jornalistas-programadores.

Veja também: O que aconteceu no Yahoo! Open Hack Day 2010

Crédito das fotos: Times Open

35 respostas para “Jornalista-programador ou programador-jornalista?”.

  1. Tiago, concordo no geral, mas só pra registrar: a Dani, uma das criadoras do Transparência Hack Day, é jornalista… Aliás, boa parte da turma aqui na Casa da Cultura Digital é jornalista… Mas entendi o que quis dizer, e talvez vc tenha razão 😉

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    1. Jornalistas como a Dani são exceção e não regra. Mesmo assim a maioria do publico do #thackday não era jornalista. Mas vc entendeu o que eu quis dizer no texto, isso é o que importa 🙂

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  2. Belo texto, Tiago. E bem crítico também. Sem querer entrar no questão do diploma, é interessante analisar como as pessoas saem das faculdades de jornalismo. Se saem com a mente aberta para as novas tecnologias e possibilidades ou se saem bitoladas com o que aprenderam, com o LEAD, com o formato do jornal impresso engessado. Esses assunto se cruzam, pq, um jornalista bitolado não vai se interessar em aprender coisas da arquitetura da informação e softwares, ou como lidar com plataformas novas. Por isso, talvez, que seja mais fácil ter programadores-jornalistas.

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    1. Com certeza, Fabio. Essa questão das faculdades de jornalismo também pesa. Sem contar que, nas faculdades ligadas à computação, existe um incentivo bem maior ao empreendedorismo, a criar coisas novas, novos produtos.

      Em geral, o estudante de computação/informática é bem mais empreendedor.

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      1. Concordo com você, Tiago. empreendedorismo é algo bem mais presente nas faculdades de tecnologia.

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  3. E que tipo de linguagem de programação você acha que o jornalista deve aprender? Que tal um post no estilo "Programação e jornalismo for dummies"?

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  4. acho que para aproveitar o máximo de um cms e apresentar propostas inovadoras na web como jornalista é fundamental saber um pouco de programação, nem que seja HTML e CSS.

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  5. Cara, fiz duas faculdades ao mesmo tempo (jornalismo e ciência da computação) por causa disso. Como diria um fanboy: "sonho de consumo".

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    1. Hehehe, sonho de consumo é ótimo.
      Também tenho o sonho de consumo de estudar no MIT.

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  6. Avatar de Maurílio Hoffmann
    Maurílio Hoffmann

    Tb concordo com o Tiago. Principalmente porque antes de entrar no curso de jornalismo eu fiz o técnico em informática e pra minha supresa encontrei pessoas "da informatica" no jornalismo… agora, se alguem der uma passada nos cursos de informatica, será que tem alguem "da comunicação". Não, acho que não.

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  7. Eu sou um pseudo-aspirante a jornalista… Tranquei meu curso de jornalismo na UFPI no 5 período, tendo pago todas as matérias básicas da cadeira de webjornalismo e algumas outras, como todas de cultura e teoria do jornalismo… Mas, continuo com meu curso de Bach. em Computação na UESPI, curso o qual me formo esse ano, e não me arrependo da escolha que fiz!

    Há muitos paradigmas que somente durante uma viagem mais a fundo no mundo da computação que podem ser melhor visualizados e que passam por várias cadeiras durante a graduação, enquanto numa pós seria bem mais complicado chegar a esse nível…

    Sou feliz como programador-jornalista e aconselho tomarem esse caminho, asism como eu mesmo tomei!

    Abraços!

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    1. Ótimo. Fez a escolha certa. abs

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  8. Sou jornalista, já aprendi algumas coisas de economia e agora minha vontade é programação, mesmo que básica, para poder ter uma noção do queé criar aplicativos a partir de bancos de dados gigantescos. Hoje, o máximo que consigo avançar é imaginar um banco de dados a ser criado (ou seja, que não está projnto e organizado em nenhum lugar) e, como está escrito no texto, dar relevância ao conjunto de milhares de informações disponíveis, "em tornar legível uma montanha de dados". O problema é que "assusta" ouvir de programação. Como disse o Ricardo, mais pra cima, você poderia escrever um texto sobre a linguagem de programação que um jornalista poderia aprender. Seria legal, pra gente ter uma idéia do tamanho do desafio a ser superado. Pelo menos pra mim, que estou morrendo de vontade de aprender algo neste sentido, seria super útil.

    Ótimo texto! E aguardarei os próximos! Abraço

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    1. Avatar de Raphael Duprat
      Raphael Duprat

      José Casadei. Também sou jornalista e estou em busca de aprender programação. Estou achando muito interessante, porque eu gritava isso na época de faculdade. Eu saia da faculdade de jornalismo na PUC Campinas e entrava na Unicamp pra estudar algumas linguagens de programação na biblioteca. Quando eu falava isso para os colegas no curso de jornalismo recebia essa informação como piada. Ou seja, cada vez que o tempo avança mais tenho certeza, os jornalistas de hoje serão os programadores de amanhã, ou vice-versa!

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  9. Oi Tiago, um minidoc do hackday com depoimento teu no meio:http://vimeo.com/10477879
    Abs

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    1. Opa, valeu, Pedro! Abs

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  10. Observações assim mostram porque você é o cara nessa área! Pessoas/blogueiros como eu vivenciam exatamente isso que você comentou. Não sou jornalista nem penso como tal. Mas as vezes me sinto como tal rs porque sou web-designer e programador e crio meus próprios sites / blogs, escrevendo meus próprios textos e "curando" determinados conteúdos. Definitivamente, o conhecimento técnico pode ser um mega trampolim para o jornalista independente.

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  11. A sua crítica pode se estender facilmente a outras profissões que lidam com a informação. Na biblioteconomia por exemplo, a carência e o distanciamento do conhecimento técnico é igual. E tratada com o mesmo desprezo por boa parte dos profissionais da área. "Literacia digital é para os programadores." É a ignorância do mundo cartesiano. Sorte que existem aqueles que não se contentam com esta miopia, e buscam a interdisciplinaridade, quando não a transdisciplinaridade.

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  12. Avatar de Melissa G. Sales
    Melissa G. Sales

    Parabéns pelo post! eu sonho em ter esse tipo de especialização no brasil, enquanto ñ chega, eu corro atrás da qualificação para me especializar dps. Estou divulgando este link. =)

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  13. Xará,

    Muito bom esse debate, mas eu discordo de sua opinião. Creio que ambas as profissões estão aproximadas, mas acho que deve haver, sim, um interesse dos jornalistas em programação. E que os jornalistas devem pensar um pouco como programadores, não o contrário. Principalmente para hierarquizar as informações, de acordo com a múltipla possibilidade de interagir o conteúdo através de códigos de programação.

    Quando digo isso, não estou defendendo jornalistas, tampouco menosprezando programadores. Muito pelo contrário. Creio que essa integração realmente irá se intensificar na medida que os meios digitais se tornará mais onipresente na vida dos usuários, mas esse interesse deve partir do jornalista em si, que cada vez mais depara-se com paradigmas em sua profissão.

    Acredito que esse seja o caminho.

    Abs,
    Tiago

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    1. Concordo com você, acredito que deve haver interesse dos jornalistas, mas conforme comentei no texto, o que eu vejo mais é programadores se interessando por jornalismo (pensando como jornalistas) do que o contrário. Essa observação não afasta a importância dos jornalistas saberem programação. Abs

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  14. Sinto o seu post como um belo diagnóstico da situação atual, e um alerta para aqueles que não querem mudar.

    Uso a internet desde que me entendo como gente, o tal do nativo digital. Pensei que esse meu interesse pela área fosse me levar para uma carreira de exatas mas aí veio a Web 2.0 e me atropelou. Me interessei pela área de humanas e pelo jornalismo.

    Irônicamente meu primeiro trabalho foi em televisão, mas lá já consegui detectar um grande problema: Jornalistas não querem saber da parte técnica, que é algo cada dia mais necessário no mercado.

    Se na internet acontece essa separação entre programadores e jornalistas, em televisão por exemplo poucos são aqueles que se preocupam em entender como o fluxo e o trabalho eletrônico de edição e pós-produção acontece. Os dois casos mostram como o trabalho de jornalista se diluiu em todas as esferas de atuação, pois o programador, o webdesigner, o editor de imagens, o finalizador, no momento que se tornam facilitadores da compreensão dos fatos, independente da técnica aplicada – PHP, CSS ou chroma-key – torna-se um responsável pela tarefa de comunicar.

    Como bem definiu o @ViniciusBruno no Twitter, “O jornalismo se converteu num estado de espírito.”

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  15. Eu gostaria muito de fazer.
    Muito mesmo.

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  16. bahh,
    parace bem bacana!
    de certo, o tcc será um jornal online 😀

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  17. Do meu ponto de vista só o desenvolvimento em si já contém assunto suficiente para toda uma vida. Integrar esses dois profissionais talvez seja desnecessário, já que a própria área de desenvolvimento está se pulverizando em tecnologias distintas. Hoje não vejo outra forma de trabalho senão o desenvolvedor criar software para os jornalistas publicarem seus conteúdos.

    Isso ocorre também em outras áreas, exemplo: um desenvolvedor que trabalha com sistemas financeiros é obrigado a entender diversos conceitos que o pessoal da contabilidade usa no dia-a-dia.

    Agora, se formos pensar que o conhecimento sobre desenvolvimento ajudaria um jornalista? É claro que sim. Assim como ajudaria um médico para criar sua prória otimização de atendimento, um vendedor para criar seu sistema de perfil de clientes, um lojista para poder vender seus produtos em uma loja virtual e por aí vai.

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  18. Lembrando que há o "Journalism scholarships available for programmers/developers" desde 2008, nele programadores recebem bolsas para estudar jornalismo e criar em cima dessa lacuna. E um dos pioneiros da área, o Rich Gordon, falou das diversas carreiras que recebem de braços abertos, quem tirar o melhor das duas áreas.

    Olho nos Links:
    http://www.pbs.org/idealab/2008/07/a-programmer-jhttp://www.medill.northwestern.edu/admissions/pag

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  19. Sugestão de leitura: O jornalista na era do conteúdo relevantehttp://migre.me/uQ6J

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