O fim da internet como a "Terra Prometida"

Terra prometida

A Tirania do email” será o próximo livro a entrar nas livrarias com críticas à chamada cultura digital. Faz parte de um nítido crescente movimento, ainda sem nome, de escritores e “media thinkers” com uma postura mais crítica em relação às transformações causadas pela internet.

No livro, John Freeman faz um manifesto contra a comunicação “em tempo real”. Num pensamento parecido ao do movimento “slow food“, Freeman argumenta a favor de uma comunicação mais interpessoal e menos fascinada pela velocidade. Para o Wall Street Journal, recentemente, o escritor produziu um artigo com alguns pontos que serão abordados no livro.

blackberryaddict01pqFreeman argumenta até contra o uso em excesso do smartphone BlackBerry. Antes uma ferramenta libertadora (posso trabalhar de qualquer lugar) se tornou um instrumento de controle (a empresa está em contato comigo 24 horas e pode me encontrar em qualquer lugar).

Portanto, em outubro, quando o livro será lançado, Freeman entra para o “clube” de escritores que têm uma visão menos romântica em relação à internet, do qual já fazem parte  Andrew Keen, Nicholas Carr e Lee Siegel, que, no ano passado, lançou Against the Machine, livro em que faz um julgamento negativo em relação à digitalização. Uma espécie de versão mais embasada do “Culto ao Amador“, de Keen.

Dois aspectos ficam evidentes com esses lançamentos:

Um deles. O vazio em relação a esse assunto por aqui. Enquanto que, pelo que percebo, no Brasil, acadêmicos e “media thinkers”, em geral,  têm uma visão mais evangelizadora do que científica em relação a esses fenônemos, lá fora a postura já começa a mudar um pouco. Por aqui, é muito comum você ler posts e textos incensando o jornalismo cidadão e as mídias sociais, mas pouquíssimos fazendo uma crítica mais contundente a esses fenômenos.

O que de nenhuma forma é uma postura absurda ou anormal. Sempre quando uma tecnologia surge é comum que, no início, ela seja repleta de teorias otimistas, de profecias positivas e por que não utópicas demais. Normalmente, no início, essas teorias funcionam como uma eficiente ferramenta para vender uma tecnologia como a “terra prometida”. Depois, descobre-se que tal tecnologia trouxe muitas vantagens, mas também pouco do esperado e prometido.

tiraniaemail01Portanto, dentro do contexto da “história das tecnologias”, é normal estarmos passando por uma fase otimista em relação às transformações que a internet está proporcionando. Da mesma forma, no início, as teorias mais otimistas em relação à energia elétrica e à invenção do carro não cogitaram que a eletricidade seria utilizada também para torturar pessoas e nem que os carros causariam tanta poluição e engarrafamentos.

Outro aspecto evidente com o lançamento desses livros, como o de Freeman, é que ele abre espaço para uma espécie de novo ludismo, meio capenga, e que trata as tecnologias como um contraponto natural ao homem, como se tecnologia e humanismo nunca tivessem andado juntos, como se garfos, facas e o papel também não fossem tecnologias.

O que acho uma visão totalmente incompleta por tratar apenas como tecnologia computadores e outros apetrechos tecnológicos mais recentes.

Mas, por outro lado, é mais do que necessária a leitura desses livros. Até por que você não vai formar nenhuma visão crítica ou ter uma postura mais científica apenas lendo textos e livros que incensam as mídias sociais, os blogs e o jornalismo cidadão (para pegar 3 exemplos mais em voga).

Conforme comentei em outro texto, acredito que a verdade sobre essas transformações que a internet está proporcionando esteja no meio termo.

Veja também:
Tecnologia não é somente computador

19 respostas para “O fim da internet como a "Terra Prometida"”.

  1. Concordo que o desenvolvimento da tecnologia da informação pode nos trazer problemas, como o exemplo do Blackberry que o aprisiona. Mas este desenvolvimento também nos traz muitas vantagens, como o encurtamento de distâncias, a disseminação de cultura e até mesmo maior liberdade (mesmo que relativa). Tudo depende do ponto de vista. Se a pessoa prefere ser um ermitão, então o mundo atual deve ser um inferno, realmente. Mas se gosta de estar em contato com as pessoas (como é o natural ao ser-humano), a tecnologia pode ser muito benéfica. De qualquer forma, esse livro deve ser uma leitura interessante, até mesmo para poder contra-argumentar.

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    1. @Ricardo Severo

      Sim, acredito que esse livros têm um papel como contra-argumento.
      Muito importante para ter um visão mais crítica.

      abs

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  2. Ótima reflexão mais uma vez.

    “Depois, descobre-se que tal tecnologia trouxe muitos benefícios, mas também pouco do esperado e prometido”.

    Não é preciso ir muito longe, o poder das mídias socias não derrubou o governo do Irã nem o Sarney.

    []`s

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    1. @Bruno

      Obrigado, Bruno!
      Será que o #forasarney não é o novo “caras pintadas”?

      abs

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  3. Muito bom o post Tiago. Estou lendo o livro O Culto ao Amador e o comprei com o mesmo pensamento. Para criarmos uma opinião, defendermos nosso ponto de vista e discutirmos algo é preciso ler… mesmo que a fama do livro não seja positiva por algum motivo. Muitas vezes essa ‘fama’ pode até ter sido distorcida, pois em alguns trechos tenho que admitir que concordo com Keen. Assim que acabar vou postar a minha opinião completa e a experiência.

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    1. @Karin

      Obrigado, Karin. O importante é isso, analisar os pontos negativos e positivos.
      E também concordo em Keen em alguns pontos. Mas discordo em outros.

      Quando tiver escrito sobre o livro, coloque o link aqui, nos comentários, para que outras pessoas também possam ler.

      abs

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  4. Não vejo a hora de poder ‘baixar’ esse livro. Rsrsrsrsrsrs

    Há quem sente para pensar na infância feliz no interior de Minas Gerais, ou aqueles que vivem se lamentando por se sentir excluído pela modernidade tecnológica.
    Nenhuma dessas tecnologias funciona sozinha. Alguém precisa manipulá-las, fazê-las acontecer.
    Que vai contribuir para uma exclusão social é óbvio e premeditado. Melhor correr e entrar no time dos que pensam pela tecnologia do que virar estatística dos “fora do compasso do tempo”. Infelizmente é a realidade, e é na realidade que as coisas acontecem.

    A vida é insana. Fazer o que?

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  5. A sociedade tecnológica nos cobra velocidade, eficiência, inúmeros e frequentes contatos, centenas de ‘amigos’ virtuais e nos tira a privacidade, o tempo, a observacão, a capacidade de reflexão e assimilacão, a capacidade de perceber o outro e, principalmente, a capacidade de nos darmos conta do que ela está nos roubando… …que é bem mais do que ela nos oferece.

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  6. É indiscutível que a tecnologia sempre foi e será essencial para o desenvolvimento humano. Porém, a forma como as tecnologias são utilizadas (racional ou irracional) pelas pessoas, é que determina sua real evolução ou retrocesso mascarado como a terra prometida. As pessoas não se dão conta que a única tecnologia permanente, alto-sustentável e saudável é a naturalidade em todos os sentidos. Acreditar que algo exclussivo irá realizar toda a humanidade, é típico de uma cultura consumista e imediatista que apenas consome as tecnologias e as praticidades sem, ao menos, analisar e refletir sobre os seus efeitos negativos devastadores. E isso só será melhor compreendido pelas pessoas através de livros como esse, com questionamentos tão claros e óbvios.

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  7. Valeu, Tiago! Enfim, algumas pessoas começam a usar a capacidade de reflexão, sem cair no maniqueísmo banal de endeusar ou escrachar, como se não houvesse mais nada entre um extremo e outro. Tecnologia é parte do desenvolvimento humano e não é boa nem má por si só. Um avião pode ser usado para levar um órgão doado para transplante com mais rapidez ou para bombardear populações indefesas. Tudo depende do uso. Esta visão messiânica que tem dominado a academia e os meios de comunicação é realmente caolha, só vê um lado da realidade. Infelizmente, ainda é dominante…

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  8. Acredito que os novos canais de comunicação poderão ter grande valor como ferramenta de luta por direitos e mudanças apenas quando chegarem ao grande público, do contrário poderá continuar apenas como uma grande expectativa com alguns casos de sucesso. Mas posso estar errado sobre isso.

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  9. Avatar de Alexandre Roldão
    Alexandre Roldão

    Tiago,

    dá uma olhada no programa Milênio aqui da Globonews. Esta semana foi ao ar uma entrevista com o Andrew Keen, autor do “Culto ao Amador”. Boas tiradas e algumas respostas ácidas.
    veja aqui: http://especiais.globonews.globo.com/milenio/

    Semana passada também inauguramos, com muito atraso, o blog do Espaço Aberto/Ciência e Tecnologia. Ainda estamos engatinhando. Veja lá alguns bons programas que já fizemos. Entre eles, o do Kindle.
    http://especiais.globonews.globo.com/cienciaetecnologia/

    Um abraço do sempre atento leitor,
    Alexandre Roldão

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    1. @Alexandre Roldão

      Obrigado, Alexandre!

      abs

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  10. Caro Tiago,

    O que fica cada vez mais nítido, é que muitos dos avanços e concretização das possibilidades depende muito mais do cidadão do que da tecnologia em si (argumento implícito na maior parte dos loas tecidos aos recentes avanços).

    Por exemplo, não dá para esperar que a coisa simplesmente “aconteça” simplesmente por que a tecnologia está aí.
    Primeiro, tem que se contar com a familiarização das pessoas para as possibilidades, depois que ela aprenda a usar as novas ferramentas (quantas pessoas sabem usar um décimo dos recursos de um celular, ou até de um controle remoto?).
    Depois, tem que “acender” uma fagulha para que as pessoas se organizem primeiro em seu próprio tempo, para estruturar o uso de tais ferramentas.
    Diferente do “garfo” e da “faca”, de uso realmente intuitivo, diversas tecnologias não estão tão fáceis para se diferenciar possibilidades de seus ruídos. Crescimento vegetativo é insuficiente, é preciso que pessoas aprendam as “manhas” e “macetes”, e tenham objetivos claros, que permitam se afiar e aperfeiçoar o uso destas.
    Se não, é usar um Ipod como uma marreta, ou um Blackberry apenas como foi dito no seu texto, para “escravizar” geeks.

    Acontece, que esse desenvolvimento incoordenado (até por conta da velocidade que a tecnologia avança), não encontrou cidadãos com necessidades aguardando as ferramentas serem desenvolvidas, mas justamente o contrário, ferramentas novas, com possibilidades inexploradas, procurando por problemas para serem resolvidos.

    Por isso, é que se diz que “os computadores vieram para resolver todos os problemas, que não existiam antes deles serem inventados” – obviamente uma simplificação grosseira, mas reveladora dos aspectos desse desenvolvimento “vegetativo” para o cidadão comum.

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  13. […] A Internet é uma tecnologia que tem trazido inúmeras questões filosóficas novas. Também acaba trazendo algumas pseudo-filosofias, é bom separar o joio do trigo, mas o principal é observar atentamente o que está acontecendo nesse “admirável mundo novo”, parafraseando Huxley e conhecer não só os apologistas, como os críticos da Internet como a terra prometida. […]

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  14. […] profissionais mais recentes, John Freeman, autor do livro A Tirania do email; Arianna Huffington, cofundadora do portal Huffington Post, que, […]

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  15. O Deleuze já tinha afirmado q estávamos passando de uma sociedade de confinamento (a sociedade moderna q Foucault estudou) para uma sociedade de controle, na qual não seria mais necessário confinar as pessoas para controlá-las. Mas do mesmo modo que há resistência nas soc de confinamento, há também nas de controle: a pirataria sem fins comerciais, a construção de conhecimento colaborativa, os conteúdos e códigos abertos e gratuitos são formas de resistência ao capitalismo de controle. As mídias elétricas q a internet sintetiza e supera são uma nova escrita, uma invenção só comparável à escrita verbal criada a 6 mil anos: estamos apenas no limiar de uma nova era cultural: não necessariamente melhor ou pior

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